Irei expor, neste texto, algumas reflexões que considero relevantes para se poder pensar e trabalhar magia dentro de uma ótica Ocultista. Estas reflexões não tratarão da magia em si, mas sim tratarão sobre magia, sendo prévias a esta. Faço isso pois considero ser relevante entender sobre o que será trabalhado e como se trabalha isto antes de, de fato, iniciarem-se os trabalhos. Também não me preocuparei com os pormenores históricos, tampouco com os detalhes desnecessários para esta investigação, de forma que espero que entendam que deixo para outros momentos explorar mais a fundo o pensamento sobre magia no decorrer da história e de acordo com pensamentos de autores particulares. Faço isso de forma clara e consciente pois compreendo que embora isto possa enriquecer esta exposição, não lhe farão falta a priori, já que apresento aqui parte de um elixir completo, que com sorte tratará por completo a ignorância acerca do tema e findará de vez esta questão. Comecemos então:

Magia será encarada durante boa parte da história como uma prática (ou um conjunto de práticas) de "natureza desconhecida" que permitem feitos extraordinários.  Em tempos primordiais era encarado como magia todo o conjunto da vida do indivíduo, que via suas ações ressoarem e imitarem planos divinos e vice-versa. A ética, enquanto objeto, é fruto desta perspectiva acerca da conduta do indivíduo como ato mágico, já que as pessoas que almejam a ética veem em seus atos uma manifestação mística de uma lei sagrada. Magia também será encarada, com certamente mais frequência e notoriedade, como o fruto de determinados ritos, práticas e etc, tal como uma dança tribal que pede a chuva, uma celebração que pede a determinados deuses uma boa colheita ou até mesmo o orgasmo, seguido de esquecimento de um determinado símbolo.

De uma forma ou de outra Magia sempre, de forma invariável e em toda sua história, teve, em suas diversas incarnações e perspectivas, em comum um aspecto: o Místico[1]. Magia sempre se relacionou com práticas para além das fronteiras do conhecido em suas respectivas épocas. Suas técnicas sempre estiveram para além da compreensão do povo médio, e seus efeitos sempre tiveram semelhança (na mente de muitos, senão todos) com o sobrenatural. A velha, ou o índio, que vivia na floresta e fazia chás, com ervas diversas e desconhecidas, que eram capazes de curar diversas enfermidades eram rotulados como sendo "bruxos", "feiticeiros" e outros adjetivos derrogatórios (oriundos de espíritos mais aflorados e menos tolerantes) por sua prática mágica de fazer o chá, e este, com suas propriedades místicas de cura e etc, eram taxados de magia. Muitos foram considerados de hereges e foram queimados por isso, em irônico contraste, aqueles que condenavam estes a fogueira acreditavam ardorosamente que se eles conversassem com uma entidade invisível em uma determinada posição esta entidade iria atender seus pedidos, certamente isto é muito menos místico e mágico do que aquilo que eles tão furiosamente repudiavam.

Da mesma forma, muitas práticas Mágicas, como o próprio uso de ervas para fins medicinais, foram, com o passar do tempo, desmistificadas e transformadas em técnicas de uso de outras áreas, como a medicina (no caso das ervas). Assim sendo, deixaram de lado seu apelo Mágico e tornaram-se coisa outra, de forma que torna-se evidente que a Magia é algo de natureza necessariamente mística. Me vem a mente a terceira lei de Clarke que diz "Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível de magia." Ora, certamente que isso é correto! Afinal de contas, que diriam o povo de tempos antigos se vissem nossas criações contemporâneas? Um isqueiro? HEREGE! Uma caixa fina que passa imagens e sons diversos? BRUXO! E não duvido em nada que se lhes mostrássemos um smartphone nós seriamos certamente mandados para a fogueira. É então evidente que Magia é fundamentalmente místico, e da desmistificação das práticas mágicas podem ser obtidos maiores conhecimentos, técnicas e práticas que não mais serão Magia, mas sim coisas outras aplicadas por outras áreas.

Mas então é pertinente entender como se dá a magia. Embora diversos sistemas possam  afirmar maneiras diferentes, razões diferentes e teorias diferentes sobre a natureza da ação mágica, alguns autores chegaram a uma linha comum, a qual eu acredito ser a mais clara e evidente, e, por essa razão, ótima para o Ocultismo. Eles afirmam, e eu parafraseio, que "Magia é a aplicação da Vontade sobre o mundo." A implicação dessa noção é rica, porém ainda não é ótima. Por meio da compreensão dessa frase podemos entender que Magia é um ato, uma ação, e que seu ator a orquestra para influenciar o mundo. "O mundo" aí é uma expressão assaz genérica, que pode trazer erros de má compreensão. Seria somente a dimensão física e material "o mundo"? A dimensão mental, dos pensamentos e sonhos, ainda parte "do mundo"? Se não forem, então teríamos que desconsiderar práticas tidas como Mágicas de mentalismo, onirismo, psiquismo e etc como não sendo de fato Magia. Seria "o plano astral" ou qualquer outra espécie de dimensão que o praticante de Magia parte "do mundo"? Se não forem também nos esbarraremos com uma barreira que separará determinadas práticas tidas como Mágicas com essa definição. Antes, acho que essa implicação "do mundo" implica no "mundo sensível", ou seja, naquilo que é percebido. Digo isso pelas razões seguintes: antes de mais nada não temos noção de quantas dimensões, planos e etc existem ou podem existir, de forma que estabelecer um ponto determinado me parece limitado e fadado ao fracasso. Segundo: me parece ridícula a noção de que se pode realizar um ato (tal como previamente acordado que Magia é, um ato) o qual almeja algo que não pode ser percebido, que não é conhecido, especialmente se considerarmos que Magia vai apelar ao que é místico, algo que por sua própria natureza é desconhecida, de forma que se este fosse o caso teríamos um ato que faz algo desconhecido e afeta algo que é igualmente desconhecido! Não, ao contrário, magia sempre vai afetar algo que nos é presente e conhecido no mundo (tal como o chá de ervas que curam doenças, o rito que busca causar chuvas, a cerimônia que faz com que a próxima colheita seja abundante, a "amarração" para provocar o amor em outra pessoa, etc), de forma que é ao que é conhecido que a Magia se debruça.

Ele também referencia a Vontade do ator, mas isso diz respeito a uma noção que é particular a determinados sistemas, então talvez seja mais interessante compreendermos o cerne da questão de forma a nos afastarmos de todas essas perspectivas particulares. Como vimos Magia é necessariamente algo de natureza mística, Vontade aí implicaria que o ator atua por meio de conhecimentos ou práticas de natureza igualmente místicas. Isso é ótimo pois subverte a necessidade de nos prendermos a uma ótica de um sistema sobre o que é Vontade e nos permite pensar com mais clareza.

Então temos que Magia seria um ato que busca afetar algo conhecido por meios místicos. Tendo isso em mente podemos provocar e testar o quão consistente é este conceito. Ora, se os meios não forem místicos, então eles serão conhecidos, e se assim forem estaremos trabalhando com uma técnica, e não com magia. Seremos farmacólogos ao fazermos chás com ervas, ao invés de "velhas bruxas da floresta", ou "sábios pajés". E se magia buscar afetar algo que é desconhecido, algo que não é só "místico" como também é por inteiro alheio a compreensão e percepção do seu ator? Ora, antes de mais nada como pode ele fazer algo sobre alguma coisa a qual ele sequer sabe que existe? Me parece paradoxal, de forma que é impensável se refletir sobre isso.

E assim obtemos dois princípios que regem o que seria magia e que jazem prévios aos próprios sistemas que tratam de magia. Esses princípios são:

  1. Magia é algo fundamentalmente místico. Ao se desmistificar a Magia ela se tornará uma técnica, ou prática, pertinente a coisas outras, mas não será mais Magia.
  2. Magia é o ato que busca afetar algo conhecido por meios místicos.

Notas:
[1] - Místico: Mìstico diz respeito a parte do Universo que ainda é desconhecida. De "A Natureza, o dito "Sobrenatural" e o Místico"A grande questão acerca do que é chamado de "místico" é o fato dele ser uma faceta, uma parcela, de algo que é familiar, o Universo. A coisa, o Universo, é familiar, próxima, palpável, reconhecível, mas a Natureza do Universo, os aspectos intrínsecos e essenciais do Universo, não são por inteiro conhecidos. É à essa parcela da Natureza que é desconhecida que se refere o termo "místico".

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