Não é incomum no “magismo” moderno o uso alienado de objetos mágicos durante a vida cotidiana e/ou em rituais.
Poucos realmente se perguntam se tais objetos são de fato necessários, suficientes, funcionais e de que modo funcionam. Meu objetivo neste texto não é ofender os doutrinados e muito menos ridicularizar crenças, mas talvez, trazer ao entendimento coisas simples e importantes, que são injustamente ignoradas.
De que modo ou modos, por exemplo, uma das ferramentas mais usadas na magia pagã de rua, o pingente de pentagrama, influencia verdadeiramente nas causas e efeitos rituais? De que modo uma varinha, um símbolo desenhado na mão, um incenso ou uma vela causam qualquer efeito sobre o funcionamento mágico? Eis perguntas difíceis que buscarei responder tentando não incorrer em erro.
Essas perguntas são praticamente irrespondíveis sem a resposta de uma pergunta ainda mais urgente. Em que consiste a magia?
Um ato de fé, dirá alguns, mas afirmar que a magia é um ato de fé significa afirmar o quê exatamente? A fé, conceitualmente falando, é tão simplesmente a crença em determinada coisa que não lhe apresenta dados mínimos de evidência.
Ser um mago então, seria puerilmente crer na realização de uma atividade qualquer, cuja a possibilidade e modo de realização não pode ser conhecida? Ora, isso faria da maior parte da população maga! Esse pobre ensaio, ou qualquer texto sobre tais assuntos perderiam todo sentido de serem lidos, uma vez que a magia consiste em um ato de fé, bastaria querer que algo se realize e esperar acontecer, fazendo dos deuses e símbolos meros ornamentos.
Uma vez que a magia não é um ato de fé simplesmente, o que seria então? Uma ciência¹ ou um exercício?
Vejamos o que dirá os autores clássicos.
“ A magia era o exercício de propriedades psíquicas adquiridas nos diversos níveis de iniciação. O desenvolvimento da vontade é o fim que todo homem deve ter em mente, se deseja comandar as forças da natureza.” (Papus, p 104)
“ A diferença entre um mago e um feiticeiro está em que o primeiro sabe o que faz e prevê os resultados do que realiza, enquanto o segundo não tem o menor controle sobre sua atividade.” (Papus, p 105 e 106)
“Não é o poder que falta, é à vontade. (Mo-Tsé)” (Papus, p 106)
“ As relações entre o visível e o invisível chegaram a seu limite. Daí o método empregado visando a fixar a vontade nas operações mágicas. Um adepto não pode produzir um efeito em oposição à natureza, um milagre, simplesmente porque isso não existe.” (Papus, p 107)
“ Não há milagres. Tudo o que acontece é o resultado da lei eterna, imutável, sempre ativa. (Madama Blavatsky)” (Papus, p 107)
“A magia considerada como ciência é o conhecimento desses princípios... (Madama Blavatsky)” (Papus, p 108)
“ A pedra angular da magia é um conhecimento prático e aprofundado do magnetismo e da eletricidade, de sua qualidade, de sua correlação e de sua potencialidade. (Madama Blavatsky)” (Papus, p 110)
“ Resumindo, a magia é a sabedoria espiritual, a natureza é aliada espiritual, a pupila e a servidora do mago. ( Madama Blavatsky)” (Papus, p 110)
“ Deixai que os loucos ajam. Sem fim e sem causa, deveis, no presente, contemplar o futuro. (Fabre d’Olivete)” (Papus, p 115)
Com todas essas citações clássicas, digo que a magia é a ciência que estuda a natureza (em todas as suas manifestações) e que aplica seu conhecimento no exercício da vontade. Logo a magia não é fé, pois como já foi dito fé é à vontade sobre a esperança no desconhecido, e a magia enquanto ciência e prática difere muito disso.
Apesar de todos os princípios intransponíveis serem necessários para produção mágica, existe um em especial que se trazido ao entendimento pode clarear muitas dúvidas e/ou desvelar o que muitos ignoram.
O Principio de correspondência (O Caibalion, p 6), embora não seja suficiente, é necessário para o exercício mágico. Tal principio consiste tão simplesmente em entender as infinitas ligações entre os mundo das coisas sensíveis e os mundos das coisas suprassensíveis.
Essa ligação é meramente entre objeto material e objeto ideal, objeto material e objeto sentimental (que pode ser ideal) e objeto material e objeto imaginário e o objeto imaginário a todos os outros já citados.
O objeto material é todo o objeto que temos ao alcance dos sentidos, como facas, pingentes, velas e etc, esses são dotados de matéria e quase sempre de uma imagem e forma.
O objeto ideal é todo o objeto que não existe ao alcance dos sentidos, e muito menos possuem matéria e forma, não podem ser sentidos mentalmente, mas podem ser conceituados. Como a ideia de justiça, sabedoria, beleza e etc.
O objeto sentimental é todo o objeto que não possui matéria e forma, não existe ao alcance dos sentidos, podem ser conceituados e sentidos pelo espírito². Como por exemplo, o amor, ódio, alegria, tristeza etc.
O objeto imaginativo, dos quais muitos estão familiarizados, são simplesmente nossas criações do espírito, isentos de matéria, mas dotado de forma. Como é o caso do centauro, das memórias imagéticas, deuses etc.
Uma vez entendido a explicação acima, vejamos seu funcionamento a partir de exemplos.
Ligação de objeto material e objeto ideal: Em um ritual quando usamos uma pena de pavão para representar a ideia de beleza, uma vez que essa ideia não possui imagens, usa-se imagens de representação para evocar a ideia.
Ligação de objeto material e objeto sentimental: Em um ritual em que o magista não é capacitado para gerar sentimentos artificiais, usa o símbolo do coração, por exemplo, para representar e evocar a ideia de amor e daí o sentimento, uma vez que o amor em si não possui imagem.
Ligação de objeto material e objeto imaginário: como quando imaginamos um ser ou um símbolo e lhe damos corpo físico, como alguém que cria um selo mentalmente e o desenha no papel, o objeto imaginário liga-se a todos os outros objetos, pois sempre se liga a Idea e às vezes a sentimentos.
Muitas dessas representações são arbitrárias e não de fato, mesmo assim seu efeito é existente, como por exemplo, a pomba, que de fato nada tem haver com a paz.
Os deuses são representações ricas em símbolos para representar o que não possui forma, daí temos o deus do amor, da justiça, guerra, beleza e etc. Esses são em sua maioria representação de ideias necessárias para o funcionamento da vontade.
Para entender melhor o porquê essa ligação ocorre, vejamos o que dizem os clássicos:
“ O método principal da ciência oculta é a analogia. Pela analogia determinamos as relações existentes entre os fenômenos.” (Papus 44)
“ veremos, por exemplo, por que, para comandar os espíritos do ar é necessário uma pena de águia (Eliphas Levi, Rituel de haute megie) segundo as relações analógicas existentes entre o elemento e a ave. Tudo isso consiste num método para fixar a vontade.” (Papus 113)
Mas uma pergunta eu faço, um mago cujo espírito é capaz de abstrair imagens e formas com facilidade, não ficaria independente de objetos materiais em sua maioria? Os rituais não seriam então substituídos por meras abstrações de ideias? Os deuses e suas formas não perderiam o sentido? Bastando então à vontade e o conhecimento de sua aplicação? Seriam os deuses e símbolos meros ornamentos deixados pelos mais avançados para facilitar a ação dos espíritos mais jovens na magia?
Tais perguntas são assaz difíceis, e prefiro não responder neste artigo.

Lord Vincus
2012
“Praebere sitientibus”


Notas:
(1)Ciência: Saber, conhecimento.
(2)Espírito: Mente, eu interior, corpo intelectivo.

Referências Bibliográficas:
O Caibalion, Os três iniciados. Texto virtual pdf. s/d.
Tratado de ciências ocultas, PAPUS. Editora três. 1973.

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