Adianto-me à pedir perdão àqueles que porventura se sintam ofendidos com as afirmações, e o teor das mesmas, aqui expressas. Acredito, no entanto, que o sentido e a forma adotada para expressa-lo são adequados e que embora seja lastimável a ofensa às sensibilidades alheias, esta se faz necessária.

Em um texto recente elaborei sobre àquilo que chamam de "Místico"[1]. O labor derivado disso se chamaria, então, misticismo. Irei, então, elaborar sobre o que são, então, o Misticismo promovido pelos Misticos e certos problemas relacionados à isso.

Tal como exposto, o "místico" é o mistério relacionado à parte ainda desconhecida da Natureza de certo algo que é, para nós, familiar[2] (estou falando aqui do Universo). Os místicos, que "fazem" misticismo (o labor sobre o místico), se ocupam tão somente do "místico". Ao contrário dos Ocultistas, que tem a pretensão de estudar e, portanto, desvelar o oculto, os místicos tem como pretensão tão somente o ENVOLVIMENTO (como em "envolver-se", "cercar-se") com àquilo que é desconhecido, aquilo que é escondido, àquilo que é "místico".

Em uma analogia posso dizer que o Ocultista é como o explorador que traz uma tocha para dentro da caverna do desconhecido, ilumina o caminho por onde passa (desvela o que jaz místico, que ainda é mistério, que é desconhecido e oculto) e traça um mapa do caminho que cruzou (produz conhecimento), o místico se satisfaz (como um puro espiritualista) em simplesmente estar na caverna em meio à escuridão e andar nela sem se preocupar em levar uma tocha ou lanterna(já que satisfaz a busca do seu Espírito por felicidade). Ele mergulha em um mar de desconhecido com a pretensão de simplesmente se afogar.

A razão disso é simples: o labor do Místico envolve, justamente, o místico, o mistério, o desconhecido. Se ele desvelar isso ele não tem mais razão de ser. Ou seja, se o desvelamento do que é místico fosse o fim do Misticismo (o labor sobre o místico) ele seria auto-destrutivo. Se assim fosse então teríamos que a missão deles é deixar de existir, um propósito suicida, basicamente. O Misticismo, então, se ocupa com o que, exatamente? Ora, são espiritualistas que não tem a pretensão de conhecer, verdadeiramente, o objeto de seu ofício, tampouco de produzir conhecimento. Com essas considerações posso dizer que eles são, de fato, Crentes. O seu fim é aquele do Espiritualismo, a obtenção da felicidade, e para tal eles se familiarizam (isso não significa que eles compreendem, conhecem ou entendam) com seus diversos sistemas de crenças místicas. Crenças Místicas são crenças sobre o desconhecido e Místicos, necessariamente, tendem a "mistificar", ou seja, tornar "desconhecido" e misterioso, ao invés de tornar claro e evidente o objeto tratado. A formação de uma cadeia, ou teia, de crenças de forma à estabelecer uma "estrutura" ou "corpo" coeso se denomina "sistema". Neste caso temos um Sistema de Crenças.

Conhecendo isso partimos para uma problemática muito grande, associada, justamente, com a prática e manifestação dos Místicos e Espiritualistas que é a formação de não-enunciados, ou sentenças nulas de sentido[3]. Quando expõem suas crenças, e utilizam de outras crenças para sustentarem a crença inicial, temos um problema de uma sentença nula de verdade. Sendo a exposição completamente composta por crenças e desprovidas de um embasamento factual à única coisa que pode tornar essa exposição aceitável é crer nessa exposição. De forma que no momento que alguém duvida ou discorda dessa crença que sustenta a exposição, não crendo nela, esta exposição, simplesmente não tem mais condição de se sustentar.

O que se deriva daí, então, é uma série lamentável de táticas e subterfúgios feitos para "submeter" o indivíduo questionador à crença exposta. A formula mais comum é tentar impressionar o questionador com um volume grande de informação (informação difere de conhecimento) relacionada ao sistema de crenças do Místico. Ao ligar em cadeia crença sobre crença às vezes faz-se parecer que, de fato, há algo à ser compreendido e que a dúvida, ou questionamento, é fruto da incompreensão e desconhecimento do questionador sobre, justamente, essa exposição. Isso é falso. As pessoas que se servem desse tipo de subterfúgio são como ilusionistas, que tentam impressionar os seus espectadores para leva-los ao engano ("É realmente mágico!") para satisfazerem os seus Espíritos.

Outro exemplo de formação de sentenças nulas de sentido é quando se utilizam de termos vazios de sentido, sem significado algum, em seus enunciados acreditando que estes estão comunicando algo. Termos vagos e palavras "familiares" são empregados, novamente, na tentativa de iludir o indivíduo questionador tal como aconteceu com o reprodutor destes termos. Palavras sem sentido ou definição, que parecem verídicas e impressionantes, como  quântico(quântica), metafísico, ego e mediante um certo questionamento eu já consegui atestar que até mesmo palavras como magia, ocultismo e misticismo não eram providas de uma definição clara e coesa, sendo, então, empregadas como termos nulos de valor, servindo para absolutamente nada senão para iludir (em verdade admito que esta foi uma das razões de eu me enveredar por este caminho de pesquisa).

Esse tipo de coisa, o emprego de termos e sentenças de valor nulo, devem ser rejeitadas e afastadas pois dão continuidade à um processo que eu chamo, sem muito carinho, admito, de ciclo coprofágico. Chamo de ciclo coprofágico o processo dos indivíduos de consumirem "coisas impalatáveis" e reproduzirem-nas para que outros a consumam também. Estes outros irão, então, produzir eles próprios "coisas impalatáveis" para que outros consumam e o ciclo continua. Esse tipo de nada que é consumido por muitos, crenças vazias de sentido e significado compostas quase que exclusivamente por não-enunciados e crenças empilhadas sem um embasamento factual, é reproduzido sem nada de valor ser gerado. A crença é simplesmente consumida e expelida em um processo de infindável repetição. O grande problema disso é o nível de delírio e ilusão que àqueles que estão presos nesse ciclo sofrem. Esse delírio impede eles de perceberem a falta de sentido dos atos que eles estão tomando e os faz crer que eles estão com a razão em fazerem o que fazem. É a pior espécie possível de Espiritualismo esta que aliena o indivíduo em uma ilusão e o faz indulgenciar em atos de pouca, ou nenhuma, credibilidade e sensatez. Bordões chamativos são como o cheiro que exala do meio ao qual esses indivíduos pertencem, clamam qualidades e virtudes nobres mas que, em verdade, quando investigadas se mostram tão ilusórias e vazias de sentido como todo o resto do que é produzido e consumido neste ciclo. Como crentes, estes indivíduos presos no ciclo de consumo e repetição do ciclo coprofágico, reagem à terem suas crenças, opiniões e métodos questionados da única forma que é, para eles, possível, através, justamente, de falácias e subterfúgios, além do uso claro das emoções e da incapacidade, ou recusa (o que acredito ser pior), de observação lógica, racional e analítica.

Para aqueles que verdadeiramente buscam o buscam, o conhecimento, e não opiniões ou satisfação pessoal, é o relevante. As falácias subvertem a qualidade do debate e da investigação, subterfúgios são golpes baixos e sujos, que mais tem como fim proteger o indivíduo do que embasar ou explicar o argumento. Afastam de si a necessidade por precisão e definição nas palavras e ideias que tratam por, tão somente, não terem precisão, tampouco definição, na tentativa de enganar àqueles que caem em seus embustes[3]. Honestidade intelectual e ideológica, além de retidão e decência, são virtudes que àquele que pretende realizar, verdadeiramente, uma jornada em direção ao conhecimento precisa ter para evitar iludir e ser iludido. Para evitar os viciosos e doentios ciclos coprofágicos.

[1] - LEMOS, Hugo, A Natureza, o dito "sobrenatural" e o Místico.
[2] - LEMOS, Hugo, Meditações II - O problema da "familiaridade".
[3] - CARNAP, Rudolf, A superação da metafísica pela análise lógica da linguagem, tradução de William Steinle, do original "The Elimination of Metaphysics Through Logical Analysis of Language",
[4] - LEMOS, Hugo, Do discurso: daquilo que é impreciso àquilo que é preciso.

1 comentário(s):

Unknown disse...

Difícil encarar o próprio comportamento e verificar que já passou pelos atos do texto, abandonar as excitações das falácias, no inicio parece doer de dentro para fora quando praticamos a honestidade intelectual e ideológica, mas, ai começa a transformação interior, onde se começa a ter verdadeiros resultados, chamo de atos invisíveis, finalmente se age com certeza de resultados concretos, o texto é duro mas cheio de razão e verdade...

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