III 
  Nessa minha última investigação, me parece demasiado necessário tratar de assuntos mais simples antes de prosseguir nestes que aparentam ser tão complexos e que muito exigem de meu frágil raciocínio.
  Quando pensamos em magia, entidades, símbolos e coisas semelhantes, parecemos ignorar algo relativamente simples como a linguagem. Farei uma breve exposição sobre o tema sem objetivo de alto aprofundamento, apenas como modo de dar ao leitor uma pequena lâmpada para que possa vislumbrar o caminho que estou tecendo sem correr o risco de se perder.
  Alan Moore disse certa vez em um de seus documentários, que um livro de magia é um livro de linguagens. Embora eu já possuísse essa noção há alguns anos, foi só recentemente ao ver tal afirmação, que as peças soltas em minha mente pareceram criar vida, e buscar umas as outras de modo a formar uma peça única. Com efeito todo nosso pensamento se dá em linguagem, eu diria com certo temor que todo nosso pensamento é feito em enunciados. Por exemplo, se desejo pegar algo sobre a mesa, dou a ordem ao meu corpo como enunciado, mesmo que me esqueça em seguida de ter feito, assim como quando digito esse texto penso cada enunciado segundos antes de escrevê-los. Usando esse raciocínio quando penso espíritos e quando analiso os enunciados sobre o mesmo, percebo está constantemente preso ao enunciados e aos pseudo-enunciados. Sim todo enunciado, como já lhe diz o próprio nome, deve enunciar ou dizer alguma coisa, porém muito do que dizemos acerca de questões metafísicas não são capazes de dizer algo, e sempre que nos esforçamos para falar do além mundo de forma clara, acabamos por falar do mundo.
  Quando por exemplo falamos de Deus, sempre falamos do mundo e de nossas experiências do mundo, se digo por exemplo “Deus é misericordioso” só posso compreender isso por ter a experiência em primeira ou segunda pessoa de ações ditas misericordiosas, sendo que a mesma se dá no mundo(com efeito se é misericordioso em um tempo e  espaço). Se digo ainda que Deus é onisciente, mesmo que eu não tenha a onisciência no mundo, eu possuo a ciência e tudo que preciso fazer é pensar essa mesma ciência em um extremo. O mesmo se daria com o fato de eu ter uma formiga no mundo, mas não ter no mundo uma formiga-castor-gigante, mas poderia facilmente pensar uma por ter em minha mente a ideia de formiga, de castor e de grandeza. Porém talvez a frase que melhor se aproxime de um pensamento justo sobre Deus seja “Deus é”, porém essa frase é muito pouco dedutível, podemos analisa-la de inúmeras maneiras e sempre que fizer isso recorrerei ao mundo. Segundo a tradição enquanto possuir um corpo, não poderei pensar Deus ou qualquer coisa de cunho além-mundo.
  Ainda falando daquilo que pode ou não ser pensado, quando digo “Deus é misericordioso” será que posso compreender de fato o que isso significa? Analisemos a frase, o que posso dizer sobre Deus sem submetê-lo ao mundo? A Hermética dirá que Deus é indizível, icgnoscível e parece ser impossível afastar esse pensamento, assim sendo, tentemos falar da misericórdia, podemos falar dela? Será a misericórdia, Justiça, o Bem e outras coisas atribuídas a Deus e as ações de alguns homens, pensáveis? E o que é a justiça ou a misericórdia? Podemos dar uma explicação sem recorrer a exemplos(mundo) ou que abarque tudo que é justo ou misericordioso? Essas questões morais são tão metafísicas, ao meu ver, quanto Deus. Então sobre tais temas abandono e continuo a minha investigação sobre a linguagem.
  Voltando a afirmativa de Moore, e à compreensão de certas ideias não podem ser ditas, mas apenas mostradas por exemplos( justamente por não pertencerem ao mundo precisamos de algo que lembre por semelhança ou analogia) que parece desvelar-se a nós o funcionamento das ritualísticas primitivas e visão espiritualistas que perduram até os dias atuais. Grande era Atenas, onde os homens eram reconhecidos por sua sabedoria, ou até queriam ser sábios. Mas como podiam representar essa sabedoria? como os espartanos poderiam representar a guerra? Como poderiam representar o amor? Talvez os poetas creram que com seus cantos resolveram esse problema, talvez Platão creu resolver, talvez ainda haja alguém que acredite que possamos dizer a justiça, a liberdade ou o amor sem necessitar recorrer a exemplos ou poesias.
  O que é um ritual se não uma soma de enunciados que visam ao final chegar a uma conclusão? Quando o adolescente que compra os almanaques com receitas mágicas desenha sob si um círculo, e sobre si coloca uma pena de Pavão tentando puxar para si toda a ideia de beleza que aquela pena aos seus olhos carrega o que ele está fazendo, se na montando materialmente uma cadeia de enunciados, tal como em encantamento mudo? Ou os atenienses que alimentavam e usavam corujas em seus cerimoniais a fim de se tornarem mais sábios? Ou até mesmo os nordestinos brasileiros que matariam essas mesmas corujas se pudessem, a fim de espantar a morte?
  Objetos não carregam ideias, a coruja leva a esperança de sabedoria a quem dela espera a sabedoria tal como leva o temor a morte a todos os nossos vizinhos do interior do nordeste que ouvem seu piar a noite. Os objetos em nossos rituais são enunciados, são ideias, afirmações transformadas em símbolos talvez, para educar os que eram desfavorecidos intelectualmente e que lotavam os templos e seus sábios com problemas.    Como ensinar a quem está sempre ocupado com o trabalho braçal ou logístico as deficiências da linguagem e a busca de um poder não imediato, um conhecimento reflexivo? “Ensinemo-los nossos saberes, mas sejamos didáticos, dissemo-los que devem buscar a justiça e façamos dela uma deusa a sempre vigiá-los. Demonstremos como transmutamos nosso espírito, mas de modo que possam ao seu modo acompanhar, façamos objetos, imagens e até mesmo usemos drogas para auxiliar espíritos tão incapazes” Assim creio pensaram os antigos quando divulgaram seus saberes aos círculos externos, e assim ainda pensamos hoje, ainda falamos com Atenas e ainda tememos os daimons.

  Onde fica então esse mundo espiritual se não em nós mesmos? O que são todos esses espíritos se não uma manifestação do que temos dificuldade de traduzir sobre o mundo e sobre nós? O que é toda a ritualística se não um modo primitivo e falho de desvelar aquilo que nós ocultamos? Ora se compreendermos esses espíritos, esses Samael, Asmodeus, Atenas, Jesus e tantos outros em nós mesmos, será que precisaremos dessas vestimentas ultrapassadas e de significados perdidos no tempo?
  O que é um banimento, se não uma teatralização física do que queremos nos livrar em nossa mente? Imaginamos o punhal ameaçando nossos medos, imaginamos a água lavando nossos temores. O que são os ataques espirituais se não a ideia que não pode ser facilmente traduzida travestida de símbolos e deuses? Para que havemos de querer um mundo espiritual se já temos um mundo grande e desconhecido em nosso próprio espírito?
  Não quero por meio desse texto afirmar nada a vocês, apenas alfineta-los e despertar uma ou outra reflexão, de modo a quebrar os grilhões que lhes prendem tão fortemente as tradições e aos maus poetas.

 II
   Analisemos um texto poético para a partir dele tratarmos sobre a questão dos espíritos e da evocação;
 
Era mais ou menos duas horas da manhã de um sábado. Lord Vincus estava em seu quarto meditando, e os únicos sons que se ouvia era o de cantos gregorianos que eram gerados pelo seu computador, mas que pareciam sair de todas as paredes.
  O jovem magista deitou-se de barriga para cima e então algo lhe ocorreu. Estava dormindo e ao mesmo tempo consciente de tudo ao redor.
Primeiramente sentiu um grande peso sobre seu corpo que lhe esmagava o espírito, conforme lutava para levantar o peso migrava paras as partes que continuavam na cama como a perna e a cintura, quando finalmente levantou-se completamente, contemplou sua própria imagem inerte, e em um determinado momento o corpo que a pouco utilizava já não lhe interessava mais.
  >> Fechei os olhos, desejei visitar os montes onde um velho amigo habitava, e ao abrir os olhos, eu lá estava.
  O chão de pedra era cortado por fios d’água cristalinos, toda a água partia de um único local, uma caverna mais adiante, o sol brilhava no alto de um céu alaranjado ornado de duas luas, o clima era muito agradável.
Ao me aproximar da caverna ergui as mãos e evoquei a chave vincuniana sob meus pés, o símbolo brilhou forte em tons de verde, e foi então que declamei o encantamento sagrado.
Um grande rugido foi lançado para fora da caverna, este som embora assustador, fez meu coração expandir-se em força e vontade. Decidi entrar, lá dentro estava muito escuro, e ao chegar a um determinado ponto, dois olhos vermelhos muito brilhantes iluminaram o local. O dono desses faróis era um enorme réptil coberto por escamas verdes reluzentes, o pescoço e as costas possuíam ossos afiados brotando sem ordem, suas asas estavam abertas, o que lhe deixava ainda maior, e de sua boca lotada de dentes escapava uma fumaça acinzentada, que por vezes encobria seus bigodes de carpa.
  Coloquei-me à frente da fera, que aparentemente não demonstrava nenhum raciocínio, mas sua imagem despertava um misto de respeito e serenidade. Estando diante do dragão, desejei olhar através dos olhos dele; e assim ocorreu, ao invés de vê-lo, via a mim mesmo. Não como costumo ver as coisas, mas de alguma forma também enxergava com o olfato.
   Eu via um humanoide, muito vermelho e brilhante, possuía um cheiro metálico que me abria o apetite, rapidamente deixei a visão do dragão e voltei a mim.<<
Espigueiro: Há quanto tempo não lhe vejo, e não ouço aquela evocação sem nenhuma beleza ou harmonia.
Lord Vincus: Ora Esmeraldino, se esquece de que eu era ainda jovem quando compus aquilo?
Espigueiro: Você ainda é jovem Lord Vincus, jovem e tolo, mas dentre a maioria dos humanos, ser seu guia não é uma opção tão desagradável.
Lord Vincus: Vejo que seu bom humor continua intacto, mesmo depois de um ano sem minhas visitas.
Espigueiro: Tenho vida muito longa em relação aos seres mais jovens, um ano terrestre não é nem de longe uma grande espera, mas em relação ao período de visitas que você costumava fazer, sim, faz muito tempo.
Lord Vincus: Não vamos ficar jogando conversa fora, não sei quanto tempo conseguirei permanecer separado do meu corpo denso, então vamos ao que interessa.
Espigueiro: O que deseja Lord Vincus, pelo espírito, apreender?
Lord Vincus: Quero que me ajude a melhorar minhas habilidades e conhecimentos.
Espigueiro: Até que suas habilidades sejam consideradas dignas de serem chamadas assim, levará muito tempo e será muito trabalhoso, mas posso ajudá-lo a seguir por esta via meu jovem pupilo.
Lord Vincus: Por onde começo guardião?
Espigueiro: Você precisa aprender muito, e há condições não suficientes, mas necessárias que está ignorando. Comece revendo seus apetites, pois muito permanece em ti daquilo que constitui as bestas, e disto devia se envergonhar. Cuide também de teu intelecto, que embora tenha feito bom avanço, ainda continua rudimentar, estude a natureza, pois conhecendo o anjo alcançará o arcanjo.
  Treine Lord Vincus, treine como se uma batalha iminente estivesse à tua espera, tenha-se sempre atrasado, esteja sempre a exercitar a guerra.
  Afaste-se dos vícios que drogam o cérebro, dos excessivos vapores da carne que embebedam o espírito, e que sempre nos deixam temerosos quanto à nossa imagem perante os iguais e superiores, pois o Bem ou aquilo que se faz de boa fé, não envergonham a Alma.
  Não bastam à saúde e o intelecto em ato para a eudaemonia, mas as coisas que são vergonhosas ao espírito devem ser evitadas, aquelas coisas comum à mente humana, como os vícios do corpo e tudo aquilo que choca os espíritos dos viventes. Pois a eudaemonia é egoísta, não deve ser feita à custa de outros ou visando-os.
  Pois apreende agora meu filho, antes que seu corpo pereça e teu espírito se esqueça, pois é tendência do espírito tornar-se esquecidiço, como uma criança traumatizada, que se esquece de suas mazelas e substitui suas memórias por inúmeros símbolos e manifestações de seu passado, sejam de forma dolorosa ou não dolorosa.
  >> Minha projeção passou a oscilar, minha visão foi tornando-se turva, mas meus supra sentidos foram brevemente recuperados.<<
Espigueiro: Teu corpo o chama, ainda está intoxicado de teus maus costumes, vejo que não poderás mais ficar aqui por muito tempo.
Lord Vincus: Oh velho dragão, me ensine a ser virtuoso e cheio de sabedoria.
Espigueiro: Primeiro precisa limpar teu espírito, e para isso, lhe ensinarei o fogo esmeraldino.
 

  >> A enorme fera inspirou fundo e soltou seu hálito sobre mim, fui tomado por uma chama esverdeada, que fez meu coração expandir-se ao ponto de parecer explodir.
  Nesse momento, eu parecia estar ciente do que deveria fazer, levantei os braços, respirei profundamente, e quando finalmente expirei, levei do meu coração uma energia que misturava coragem, amor e determinação para a palma de minhas mãos, me senti poderoso enquanto a energia me subia pelos braços e minavam das minhas mãos derramando um líquido em chamas, de cor verde sobre todo o meu corpo, a chama descia pela minha pele e ao tocar o chão voltava a subir, senti todo o peso que me corrompia o espírito desprender-se com leveza e misturar-se com o ar.<<
 
 Espigueiro: Leve este exercício contigo, um exercício simples, indigno daqueles que se são grandes, mas para um jovem como tu, é de grande valia, use-o para purificar-se, para purificar tua casa e para purificar tuas ferramentas... Como prova de nossa identificação leve esta última pérola com você:
“Oh Humanos perecíveis, embriagados pelo vinho sem mistura da ignorância, cuja realidade limita-se aos olhos sensíveis, e quando pior, a fé não é posta sob a razão. Oh, corais humanos, despertai, pois o sofrimento desmedido e o não zelo pelo intelecto adoece a vossa alma. Oh, pobres sentimentalistas, 'ofensíveis' e efeminados, pobres e fracos, olhai no espelho à sombra da Magnificência, à sombra Demiúrgica, ansiosa por liberdade e respeito. Não matem o homem e a natureza por idealismo, idealizem um homem melhor de forma não destrutiva. Que verdades possuem aqueles que ainda sofrem? Que bens podem oferecer, que já não ofereceram a si mesmos? Crescei e multiplicai seus conhecimentos e horizontes, pois não só de pão vive o homem, já que este não é só corpo, é intelecto também, e esta parte queima de desejo pelo conhecimento."
>> Após calar-se, o dragão expeliu uma onda de fogo sobre mim, fui impulsionado rapidamente de volta, e quando voltei, foi como tivesse saltado de uma grande altura que ao bater no chão, fez meu corpo parecer subir alguns centímetros.
Eu estava mais leve, momentaneamente me sentia mais leve, como se a chama do dragão tivesse clareado e aquecido meu espírito.<<”

(Lord Vincus,Viajem ao dragão esmeraldino, A Casa-ocultismo, 2012)
  O autor usa-se da liberdade poética, mística para transmitir uma ideia moral, espiritualista e até mesmo magicista. Apesar de ser um texto para um público mais jovem, muito pode ser extraído do mesmo, se bem analisado.
   É narrado nesse texto em um primeiro momento, um exercício meditativo e a partir dele a suspensão da consciência para algo que não aparenta ser o mundo natural do personagem
 “o sol brilhava no alto de um céu alaranjado ornado de duas luas, o clima era muito agradável.”
  Um leitor mais afoito, creria rapidamente que o mundo descrito de fato existe, ou pior, não seria capaz nem ao menos de alcançar o que o texto de fato traz, daria atenção apenas às insinuações de projeções ou sobre um dragão falante. Tomaria rapidamente o texto como verdadeiro, não o analisaria, não de fato o leria.
   O que podemos inferir do texto, se ousarmos desvelar o que não é facilmente compreendido? O texto escrito possui somente a ideia de uma projeção, um dragão e um mundo estranho a oferecer? Bem parece que apenas análises superficiais parecem ser capazes de fazer os muitos que se dizem ocultista, ao menos, é isso que se torna evidente quando se propõe a comentar e divulgar sobre assuntos diversos seja sobre mitos, religiões ou até mesmo ao conjunto de textos da hermética.
   Voltando ao texto citado(pois é mais fácil), o autor tem por objetivo pregar uma visão espiritualista onde os vício do corpo supostamente atrapalham o desenvolvimento do espírito, logo atrapalha o sujeito enquanto ocultista ou magicista, e que tais vícios e dificuldades, acabam por ser culpa do próprio sujeito. Após um sermão dado pelo Dragão(que aqui faz o papel de mentor) ele lhe ensina uma técnica totalmente voltada a projeção de sensações para a purificação e banimento.
   As questões que devemos levantar são; como esse autor chegou à técnica de purificação?(supondo que não lhe fora revelada por um espírito) Como sabe que ela é de fato eficaz? Como saber que a descrição de um mundo espiritual, de modo geral é correta?
  Vejamos de onde partem as teorias sobres os espíritos e o além-mundo. Toda teoria desse gênero, sem dúvida parece partir de três modos possíveis, quando não nos referimos a comentadores. Parecem partir de revelação espiritual, dedução racional ou criação poética.
  A revelação espiritual sobre os espíritos e seu mundo é a mais comum de se encontrar na literatura, e que a mais deve ser rejeitada pelos ocultistas. Muito embora afirmem ser essa minha afirmação absurda, devemos questionar até que ponto a revelação espiritual de um terceiro é válida, uma vez que esse terceiro pode na melhor das hipóteses ser um doente mental e na pior das hipóteses o espírito pode ter lhe enganado sobre tudo que lhe fora revelado.
  O modo racional muitas vezes é ligado a revelação espiritual. Não era incomum entre os pensadores do medievo, tentar provar o que era dito pelos primeiros evangelistas e suas revelações por meio da razão(coisa que muito observamos na escolástica), não sem motivo que era muito comum fazer uma leitura bíblica utilizando-se de pensamentos aristotélicos ou platônicos.
  O ultimo modo, muito comum, é o uso de termos religiosos para tornar o pensamento mais didático para a massa, mais palatável, ou até mesmo usa-se da poesia mística por uma simples questão estética. O problema deste modo é que a massa que ascende às tradições acabam por tomar boa parte dos círculos internos, ficam presos a visão poética e acabam por passa-la a frente, tornando o ocultismo em um ocultismo de facebook, um antro de alucinados e maus poetas.
  Dentro dos três modos, parece não haver nenhum que seja confiável, uma vez que o primeiro temos que ficar a mercê da crença na honestidade de um espírito além da crença na saúde mental daquele em que algo foi revelado. No segundo modo não se usa do raciocínio para chegar a uma conclusão, mas usa-se da conclusão para montar raciocínios o que facilmente nos leva ao engano (embora seja o modo mais seguro) e o último é falso desde o início. Esse problema não é observado por mim, já fora observado pelos bons ocultistas há muito tempo, e três soluções foram dadas para tentar resolvê-lo, as apresentarei agora;
  A primeira diz que o homem é capaz de sair de seu próprio corpo, e uma vez fazendo de si mesmo um espírito, pode por si mesmo vislumbrar o mudo espiritual e aprender sobre ele. Esse método que é muito querido entre os adolescentes e os espiritualistas de facebook(a diferença entre um e outro é mínima) é assaz problemático, como mostrarei agora. O que me garante que a projeção não é uma construção mental do sujeito, tal como ocorre aos moradores dos manicômios, sendo que a diferença entre um e outro é o desejo do delírio? Como diferenciar a projeção de um sonho? Com efeito, não é incomum enquanto sonhamos, julgarmos-nos acordados e no mundo, e se somos enganados enquanto sonhamos (e quando acordados), que garantia temos que em projeção(caso não seja um sonho) estamos de fato vendo o mundo espiritual ou não estamos criando-o ou nos enganando de outro modo?
  O segundo modo desenvolvido pelos neo-hermetistas é a partir do principio de correspondência ou da analogia hermética, ou seja, observando o mundo material(ou médio) podemos por analogia compreender o mundo espiritual, já que ambos possuem um mesmo criador e são regidos por leis mesmas(que diferem em grau de execução). Esse método é mais racional que o primeiro, e mais provável de nos levar algum conhecimento de fato.
  O último modo, e o meu preferido, é a rejeição completa de um além mundo, e a compreensão de que mesmo que esse exista, não pode ser alcançado pelo homem em vida(Como já dizia Platão, Tomás de Aquino e outros) e por isso qualquer esforço para alcança-lo é inútil, cabendo ao ocultista então ocupar-se do mundo e do que o mundo vela, sem gastar sua vida em busca de outros. Dentro dessa ótica ainda, os autores antigos que possuíam forte influência do orfismo, criam que o mundo espiritual era transcendente, de modo que se levássemos uma vida de investigações e reflexões, nossa alma acostumar-se-ia ao saber e quando morresse-mos poderíamos transcender e desvelar o mundo espiritual(mas só após a morte).
   *OBS; Há ainda o modelo cabalístico, mas por ser um ignorante do tema e não possuir meios de estudar a cabbalah em fontes confiáveis e em seu idioma materno, irei me abster sobre a mesma.

  Partindo disso, toda experiência, toda literatura e toda afirmação sobre espíritos, que cansam de se contradizer a depender de quem fale disso, parece perder o sentido de ser discutido. Porém, ainda temos um longo caminho a percorrer nesse texto e não devo me cansar agora, ainda me resta dar um último parecer sobre espíritos e falar melhor sobre banimentos.
I

      Graça a supremacia do imediatismo contemporâneo, onde com recursos do mundo globalizado as informações já nos chegam prontas, não é incomum, entre os mais jovens a crença de que por ter lido dois ou três artigos sobre determinado assunto, ter seguido duas ou três receitas delirantes e participar de um grupo de facebook de que são grandes magos ou especialistas nesse ou naquele assunto. Talvez sejam, mas a chance de que isso seja verdadeiro é tão mínima que é incrível que tantos homens feitos aceitem tais saberes que são distribuídos tão facilmente.
   Antes de entrar no assunto de nosso título, creio ser necessário tratar o mínimo possível sobre as fontes e os modos de pesquisa e de que modo podemos evitar sermos enganados por textos, pessoas ou pelas experiências.
   Devemos atentar que o fato algo está escrito em um livro, não significa que por isso ele seja verdadeiro, e devemos saber como ocultistas, que sempre que não pudermos alcançar a verdade em uma investigação, devemos adotar sempre o raciocínio mais provável. Ler em um livro que espíritos existem ou que determinado ritual lhe torna especial, não faz com que espíritos existam ou que você irá se tornar especial. Os textos devem então serem analisados em um primeiro nível, que é o argumentativo. Um texto que apresenta razões insuficientes para suas afirmativas, que se contradizem ou que não apresentam razão nenhuma sendo apenas uma cadeia de afirmações ou receitas deve ser tomado com todo cuidado por um ocultista, e talvez, até rejeitado. Uma vez analisada a didática do texto(em geral, no que diz respeito aos comentadores de ocultismo e textos receitas a didática é péssima) deve-se analisar seus resultados práticos.
   Antes de falar de prática trarei elementos que devemos atentar na leitura de um texto ocultista para saber se ele é mais uma obra febril ou religiosa, ou perceber ainda se é mais uma das muitas obras de mercadores exotéricos.
  Não é difícil escritos de magistas e poetas místicos(além de um grande número de adolescentes e senhoras solteiras no facebook) a afirmação da existência de criaturas fantásticas e de sua estreita comunicação ou até domínio delas, de modo a não poderem dar dados mínimos que sustente essas afirmações, e sempre se mostrarem demasiado agressivos quando uma mente mais curiosa questiona a veracidade dessas afirmações. Uma vez que cabe ao ocultista a busca do saber e não a mera credulidade que é dada aos cidadãos servis, não faz muito sentido sentir-se ofendido, ao ser questionado por um.
  Se um sujeito traz uma ideia, mas não é capaz de defendê-la é quase certo que tudo que ele afirma tem como base experiências mal refletidas que por sua vez levaram-no quase que a força a uma conclusão problemática. Tal como uma criança que após ver um filme de terror escondido de seus pais começa a ver(experiência) monstros e por isso conclui rapidamente que é perseguida, também não é incomum entre os que iniciaram a investigação sobre o ocultismo ou o espiritualismo, acabarem por ficar espantadas pela qualidade diferente de informações que apreendem e por isso acabam por acreditar serem especiais espiritualmente a ponto de comandar seres supraterrestres ou até mesmo se tornarem amigos deles, podendo essas novas mentes acreditarem que estão na presença de gnomos, fadas, demônios ou qualquer outra criatura que foi mencionada nos livros dos poetas que se dizem ocultistas.
   Devemos atentar então que a experiência é enganosa, seja experiências feitas por nossos sentidos, sejam experiências emocionais ou mentais. Citarei modos simples de como somos constantemente enganados e de como constantemente enganamos a nós mesmos.
 Não era incomum aos antigos, por experienciar que a terra onde pisavam era parada, a conclusão de que o nosso mundo(planeta) estava fixo no centro do universo(que igualmente se limitava até as estrelas que eles podiam ver) e tinha os astros girando em torno de nós. Só quando a teoria do heliocentrismo foi trazida e mais tarde comprovada matematicamente, que o homem moderno(fim do renascimento) se deu conta de que seus sentidos lhes enganaram sobre o mundo. Outro exemplo de como os sentidos nos engana é a observação de sermos seguidos pela Lua e pelas Estrelas em um passeio noturno. Não me surpreenderia se um homem selvagem viesse a crer por isso, que tanto a Lua como as Estrelas são espíritos guardiões.
  Há exemplos simples de como somos enganados por nossas emoções e intuições, seja quando cremos que amamos algo e percebemos não amar quando o temos ou quando acreditamos ser amados sem sermos. As intuições, do mesmo modo, nos enganam rapidamente quando por exemplo, intuímos rapidamente um resultado para determinado cálculo e por ter ignorado algum sinal, percebemos ter errado.
  Visto que não podemos confiar no que comumente confiamos, já que o bom senso manda não confiar em quem costuma nos enganar, me parece ser interessante oferecer um método que prive os iniciantes a não caírem em abismos tão profundos, que por passar tanto tempo no escuro acabem por crer estar acompanhados por quem não está lá.

   Cumpre crer que sempre que algo se nos apresenta, que quando queremos extrair dele alguma verdade, que devemos analisa-lo minuciosamente, de modo que possamos antes de escolher uma conclusão qualquer, observar todas as conclusões possíveis, e conforme avancemos em nossas investigações possamos pouco a pouco descartar tais conclusões até que reste o menor número delas. Assim, só depois de ter decomposto tudo aquilo que analisamos, separamos o mais fácil o que do que é complexo, e quando tiver nos certificado de que compreendemos o que é mais fácil, podermos através disso passar para o que é mais difícil, uma vez que a compreensão do que era mais simples ajudará a revelar o que é complexo, e a partir disso por organizado em séries tudo o que analisamos. Assim não só teremos mais facilidade de alçar algum conhecimento sobre o problema apresentado, como teremos alcançado verdades sobre várias coisas além do problema proposto e por ter separado tudo em série do mais simples ao mais complexo, poderemos sempre recorrer a essas investigações quando nos falhar a memória.

"Praebere Sitientibus"
Lord Vincus
2013

Saudações, meus queridos. Sou o novo membro dA Casa (Ocultismo) e espero contribuir de forma louvável para o crescimento tanto de vocês como o desse admirável recinto. Começarei apresentando um texto, e seu adendo. O texto foi formulado dentro de uma proposta de reformulação de ótica e abordagem para o ocultismo e complementa a ideia iniciada por Vinícius neste mesmo blog, então ele tem um critério um tanto epistemológico (espero que esteja usando o termo de forma correta). O adendo serve como um sumário explicando os termos utilizados. Pois bem, aqui está:


Uma paisagem com um campo verde florido e um riacho estão ilustrados em um quadro.

1. Ao observar isso podemos atestar que de fato estamos observando um quadro e que nesse quadro está ilustrado uma paisagem com um campo verde florido e um riacho.
1.1 Se você considera essa imagem bela, então você a verá assim, mas isso não muda o que a imagem é tampouco se eu disser que a imagem é feia. Em verdade a imagem não mudará. Ela persistirá sendo àquilo que ela é: uma imagem de uma paisagem com um campo verde florido e um riacho.
1.1.1 Beleza é um valor relativo, sujeito à crença pessoal de cada um. Ainda que haja um consenso majoritário que algo é belo, isso, ainda assim, persistirá como sendo uma crença. Uma crença comunal, mas ainda uma crença.
1.1.2 Se algo for verdadeiramente belo então não haverá questionamento sobre esta coisa ser bela ou não. Se assim for então teríamos também um padrão para classificar, factualmente, o que é, ou não, belo e isso, de fato, não existe.
1.2 Assim como diversos outros adjetivos de valores relativos, frutos de opiniões, crenças e óticas individuais, a beleza, ou não, de algo nada muda a coisa em si.

2 Adjetivos não dão um caráter novo a coisa em si, nem a alteram. Se eles oferecem alguma espécie de informação, esta seria acerca da opinião e ótica da pessoa que comunicou isso.
2.1 Se digo que tal quadro é feio, isso não mudará o que o quadro é, nem sua ilustração, nem nada. Mas lhe informará o que eu creio sobre o dito quadro.

3 Constatações, no entanto, dizem respeito à fatos acerca de coisas, tal como o quadro e sua imagem.
3.1 Se constato que o quadro tem uma ilustração de uma paisagem com um campo verde florido e um riacho então é isso que eu percebo. Esta informação constitui aquilo que eu percebo, de forma que se ela se alterasse, aquilo que percebo se alteraria.
3.2 Constatações se baseiam em informações verídicas e, por óbvia consequência, factuais. Elas independem do indivíduo e se mantém por si só.

4 Constatações de fatos e crenças de valores relativos se confundem pra construir aquilo que nós percebemos.
4.1 Se constato que tal obra é de uma escola artística X então mesmo que a obra em si não mude, seu entendimento sobre a obra mudará, lhe dando mais profundidade no entendimento da mesma.

5 Opiniões/crenças expressam qualidades, informações, por outro lado, expressam fatos. Assim sendo, constatações lhe passam informações. São informativas.

6 Crenças se manifestam no indivíduo.
6.1 No caso da beleza, ou feiura, do quadro: a beleza não está no quadro ou na imagem e sim na consideração de quem o observa. Ele é, de fato, desprovido de tais qualidades pois é somente um quadro ilustrando um campo verde florido e um riacho. Se ele é percebido, ou não, como sendo belo vai do indivíduo que atribui essa qualidade ao mesmo, tal como o ditado que diz "beleza está nos olhos de quem vê".

7 Verdades são fatos constatados. Eles independem do indivíduo, de ótica ou opinião, para existirem, ao contrário das crenças.
7.1 Verdades e fatos ocorrem fora do indivíduo e tem um aspecto universal. Se algo pende ao particular ou à ótica ele não será um fato, mas sim uma opinião ou crença.
7.2 Fatos e verdades podem tanto nos comunicar uma observação externa (que lida com a relação de um elemento com o outro, como em: "ele acha o quadro bonito") como pode lidar a observação de características internas (a dita descrição do quadro).

8 Verdades (constatações factuais) e crenças muitas vezes se confundem por conta de enunciados mal elaborados.
8.1 Em um caso onde um indivíduo diz "a minha verdade é que azul é a melhor cor" ele estará cometendo uma série de equívocos.
8.1.1 Primeiro pois para azul ser "a melhor cor" então deveria haver algum critério definido e racionalmente observável que ateste que para esse fim predeterminado azul é, de fato, a cor ótima para servir a esse fim. Assim notamos que ele tinha a pretensão comunicar sua predileção pela cor mas foi infeliz na formulação do enunciado.
8.1.2 Em seguida temos que ele anuncia que esta é a "verdade dele". Ora, verdades são constatações de fatos e, portanto, independem de uma ótica particular para existirem sendo o que são. Por definição isso impede que uma verdade seja pertencente a um indivíduo, se ela existir, de fato, então ela será comum para todos que sejam capazes de analisa-la.
8.2 No entanto temos que um enunciado que comunica uma crença, como "eu prefiro a cor azul" manifesta não só a crença como também uma verdade. Isso gera muitas confusões, no entanto vou explicar.
8.2.1 A crença se manifesta no indivíduo -a predileção de determinado sujeito pela cor azul- e a verdade se manifesta no fato de tal sujeito ter esta crença, de forma que temos dois elementos distintos e separado em um só enunciado: uma crença expressa desprovida de verdade e uma verdade desprovida de crença.

Saber diferenciar um e outro é fundamental para o ocultista em sua jornada.

Não podemos viver sem nossas crenças e opiniões. Elas fundamentam quem somos e no que acreditamos. O que gostamos ou deixamos de gostar. Ela estrutura nossa identidade, nossa personalidade. Nos proporciona prazer e alegria.

Perder isso não é interessante para o indivíduo, a não ser que ele creia que seja e, se assim for,ele também estará agindo de acordo com isto que digo.

A constatação de fatos é o que nos traz a percepção da verdade.

Informações estruturam a forma como vemos o mundo, opiniões dizem o que achamos disso.

Saber moderar um e o outro. Saber equilibrar um e o outro. Saber separar um e o outro.

Nenhum melhor. Nenhum pior. Ambos em seu devido lugar. Em sua devida proporção. Em harmonia.

Adendo

Valores relativos tem seu significado alterado de acordo com o contexto.

Valores absolutos não tem seu significado alterado de acordo com o contexto.

A palavra "informação" não tem seu valor e emprego alterado de acordo com o contexto. O significado dessa palavra é "absoluto". No entanto, o que ela comunica -a informação que vai ser passada- muda de acordo com o contexto. Ainda assim isso não altera o significado de "informação", de forma que ela é, ainda assim, uma palavra com significado de valor absoluto.

Palavras como "bem" ou "belo", no entanto, tem seu significado e emprego constantemente alterados pelo contexto. O significado das palavras, o que elas representam e significam, o que elas "são", o que torna elas "elas", muda de acordo com o contexto. Dessa forma lhe digo que elas são palavras com valor relativo.

Verdades são constatações de fatos. Constatar um fato significa observa-lo de forma direta e consciente. Um fato é um acontecimento, ou uma soma de acontecimentos, observável em uma dinâmica tempo-espacial que se arranja de forma a estruturar as coisas tal qual são. Observar um fato implica estudar as estruturas e os acontecimentos em busca de um cerne lógico, natural e impessoal que é próprio aos fatos.

Crenças e opiniões são observações, pensamentos e ideologias de valores relativos tomados por um indivíduo. Elas não são factuais e portanto não carregam valor de verdade. No entanto indivíduos adotam essas crenças e opiniões para formatarem sua ótica acerca do mundo que lhes cerca manifestando por meio destas sua personalidade, seus gostos e desgostos.

Quando falo da "natureza" não me refiro à natureza observável, e muitas vezes romantizada, e sim àquilo de que é feita a realidade. Me refiro àquilo que pode ser chamado de "matéria" ou simplesmente de "existência", ambas em seu âmbito familiar e próprio.

Para produzirmos sentido nas nossas observações da Natureza do Universo precisamos nos utilizar de sistemas de linguagens. Esses sistemas de linguagens, com seus signos, carregam dentro de si o valor de fato por sua existência e, conforme oferecem sentido para outras observações, geram teias de significados que estruturam uma cadeia de sentidos que é responsável por nos dar o entendimento acerca do objeto tratado.

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