A magia pessoal é um recurso formidável que está disponível a, praticamente, qualquer pessoa, podemos usá-la para manipular as situações a nosso favor. Mas existem aquelas situações mais... complexas... que usar a energia que dispomos para conseguir alterar essa situação pode ser perigoso para o magicista ou, na melhor das hipóteses, não surtir efeito algum... nesses momentos, podemos fazer duas coisas: Chorar e ficar torcendo para que o Universo sozinho resolva tudo, fazendo um “milagre” em sua vida ou, podemos ainda, apelar para algum tipo de Arte Oculta que possa se mostrar mais poderosa que a magia pessoal...
Nobres amigos, existe uma Arte Oculta muito antiga que eu, particularmente, aprecio muito, mas que é extremamente perigosa e não sugiro que seja praticada por iniciantes.
O espírito é energia pura, uma vez que não está conectado nem obrigado a manter um corpo físico, esse espírito pode manifestar seus poderes com liberdade e nível de energia muito superiores aos que nós, encarnados, podemos utilzar. Com base nisso, nossos ancestrais buscaram maneiras de interagir com os espíritos desencarnados para manipular através deles, nascendo assim a famigerada Necromancia.
Existem diversas formas de Necromancia, sendo que hoje irei me deter em dois tipos particulares, a Necromancia Voodoo e uma de suas derivações, a Necromancia Candomblecista.
Começando com a Necromancia Candomblecista, encontramos nesta o uso mais difundido de Necromancia dentro do Brasil, onde as pessoas recorrem às Artes para finalidades já tradicionais dentre o público dessa magia, em se tratando de Brasil, como fazer separações, matar alguém ou, o mais comum, “trazer o seu amor de volta”. A Yalorixá ou Babalorixá possuem rituais de “assentar” as entidades, de maneira que elas os sirvam por tempo indeterminado, podendo inclusive ser herdadas por outros membros da família. Não sei se seria interessante discutir sobre o rito de assentamento, deixo para o futuro, caso me seja requisitado, mas com o objetivo em mente, o feiticeiro invoca alguma entidade para tratar do desejo do consulente, o desejo é expressado e a entidade dá “o preço” para a realização do “serviço”. Esse “preço” é, na maioria das vezes, algo ligado a fontes de prazer material que agrada a entidade, mas, como tudo é energia, não devemos perder de foco que existe uma quantidade considerável de energia nessas oferendas, uma vez que os nossos desejos e intenções mais intensos geram um campo de poder formidável, campo esse que imbuído na oferenda irá agradar muito a entidade.  Então, dessa maneira é feita a coisa, espíritos negociantes realizam desejos ordinários em troca do que lhe gera energia e relembra os seus prazeres de outrora...
Passando para a Necromancia Voodoo, que é mais antiga, perigosa e eficiente, nos vemos com um leque de possibilidades muito maior que as oferecidas pelo Candomblé. O feiticeiro que utiliza esse tipo de Arte Oculta se torna muito mais poderoso que feiticeiros de outras ramificações da magia, uma vez que esses outorgam a si as energias dos espíritos que eles subjugam. Geralmente, o feiticeiro Voodoo trabalha com vários espíritos, sendo que alguns são subjugados para lhes outorgar suas energias e dons, mas existem também os espíritos que trabalham de maneira escrava para o feiticeiro. Nesse caso, os espíritos não são assentados como no candomblé, que é um processo amigável e de beneficio mútuo, mas eles são forçados a servir ao feiticeiro através de um ritual complexo que retira toda e qualquer possibilidade de liberdade do espírito. Quando recebem alguma ordem, esses espíritos não podem fazer outra coisa senão agir segundo o que lhe foi ordenado. A magia Voodoo é, geralmente, utilizada para o mal, uma vez que esta é extremamente eficiente nesses propósitos, pois os espíritos agem com ira por conta de sua condição escrava.
Ainda na Necromancia Voodoo, podemos observar a existência de diversos adivinhos que utilizam do poder dos mortos para visualizar o por vir. Nesse caso, os ossos dos espíritos que servem ao feiticeiro são usados como meio material para o processo oracular. Existe ainda um pequeno número de feiticeiros Voodoo que, depois de se mutilarem e perderem a visão, fazem rituais antigos e bizarros para poderem utilizar, ainda que pouco, do dom da Visão, mais conhecido e utilizado em outras culturas, como a Celta.
Existem, ainda, as adaptações das magias e dons da Necromancia que são amplamente utilizados por magos ao redor do mundo. Por se tratar de um tipo de magia extremamente eficiente, eu recomendo para todos os que buscam um nível mais intermediário e/ou avançado dentro das Artes Ocultas. Os ritos são complexos em se tratando de disciplina, concentração, segurança e bom senso, mas são relativamente simples no âmbito material. Na internet circulam diversas informações a respeito desse tipo de Arte, mas eu, particularmente, não as recomendo, pois algumas tratam de maneira geral o que deve ser tratado como específico, mas outras não passam de enrolação. A Necromancia deve ser analisada considerando as particularidades de cada pessoa e espírito em questão, a arte de negociar com um espírito é mais simples, mas depende do que queremos, de quem somos e de com quem estamos lidando, fazer algo que encontramos com a ajuda do deus do século XXI, o Google, pode causar danos que vão desde atraso em seus projetos a uma obsessão perigosa e difícil de ser desfeita. Já a Necromancia Voodoo pode ser mortal, sem prolongamento de sofrimento nem nada. A pessoa disposta a praticar esse tipo de Magia deve buscar a orientação de alguém que já possua experiência com elas e, acima de tudo, ter segurança no que faz.
Ahhh, como eu não perderia a chance, os católicos também são chegados a Necromancia, mas eles chamam de “promessa” o mesmo que o candomblecista chama de macumba. Mas não irei me deter nisso para não pisar no calo de alguém...

  

  Era mais ou menos duas horas da manhã de um sábado. Lord Vincus estava em seu quarto meditando, e os únicos sons que se ouvia era o de cantos gregorianos que eram gerados pelo seu computador, mas que pareciam sair de todas as paredes.
  O jovem magista deitou-se de barriga para cima e então algo lhe ocorreu. Estava dormindo e ao mesmo tempo consciente de tudo ao redor.
Primeiramente sentiu um grande peso sobre seu corpo que lhe esmagava o espírito, conforme lutava para levantar o peso migrava paras as partes que continuavam na cama como a perna e a cintura, quando finalmente levantou-se completamente, contemplou sua própria imagem inerte, e em um determinado momento o corpo que a pouco utilizava já não lhe interessava mais.
  >> Fechei os olhos, desejei visitar os montes onde um velho amigo habitava, e ao abrir os olhos, eu lá estava.
  O chão de pedra era cortado por fios d’água cristalinos, toda a água partia de um único local, uma caverna mais adiante, o sol brilhava no alto de um céu alaranjado ornado de duas luas, o clima era muito agradável.
Ao me aproximar da caverna ergui as mãos e evoquei a chave vincuniana sob meus pés, o símbolo brilhou forte em tons de verde, e foi então que eu disse:


“Dragão alado do ar,
Seu poder e coragem me dão animo para guerra,
Sua presença é poderosa e desaprova todos os covardes,
Eu o evoco a elevar-se como um tornado.
Dragão alado voe sobre os campos do ocidente,
Descanse sob a luz do poente,
Pois o seu poder evoco para auxílio,
O poder de um amigo de muitas eras.”
(Grimório pagão Vincuniano)

   Um grande rugido foi lançado para fora da caverna, este som embora assustador, fez meu coração expandir-se em força e vontade. Decidi entrar, lá dentro estava muito escuro, e ao chegar a um determinado ponto, dois olhos vermelhos muito brilhantes iluminaram o local. O dono desses faróis era um enorme réptil coberto por escamas verdes reluzentes, o pescoço e as costas possuíam ossos afiados brotando sem ordem, suas asas estavam abertas, o que lhe deixava ainda maior, e de sua boca lotada de dentes escapava uma fumaça acinzentada, que por vezes encobria seus bigodes de carpa.
  Coloquei-me à frente da fera, que aparentemente não demonstrava nenhum raciocínio, mas sua imagem despertava um misto de respeito e serenidade. Estando diante do dragão, desejei olhar através dos olhos dele; e assim ocorreu, ao invés de vê-lo, via a mim mesmo. Não como costumo ver as coisas, mas de alguma forma também enxergava com o olfato.
   Eu via um humanoide, muito vermelho e brilhante, possuía um cheiro metálico que me abria o apetite, rapidamente deixei a visão do dragão e voltei a mim.<<
Espigueiro: Há quanto tempo não lhe vejo, e não ouço aquela evocação sem nenhuma beleza ou harmonia.
Lord Vincus: Ora Esmeraldino, se esquece de que eu era ainda jovem quando compus aquilo?
Espigueiro: Você ainda é jovem Lord Vincus, jovem e tolo, mas dentre a maioria dos humanos, ser seu guia não é uma opção tão desagradável.
Lord Vincus: Vejo que seu bom humor continua intacto, mesmo depois de um ano sem minhas visitas.
Espigueiro: Tenho vida muito longa em relação aos seres mais jovens, um ano terrestre não é nem de longe uma grande espera, mas em relação ao período de visitas que você costumava fazer, sim, faz muito tempo.
Lord Vincus: Não vamos ficar jogando conversa fora, não sei quanto tempo conseguirei permanecer separado do meu corpo denso, então vamos ao que interessa.
Espigueiro: O que deseja Lord Vincus, pelo espírito, apreender?
Lord Vincus: Quero que me ajude a melhorar minhas habilidades e conhecimentos.
Espigueiro: Até que suas habilidades sejam consideradas dignas de serem chamadas assim, levará muito tempo e será muito trabalhoso, mas posso ajudá-lo a seguir por esta via meu jovem pupilo.
Lord Vincus: Por onde começo guardião?
Espigueiro: Você precisa aprender muito, e há condições não suficientes, mas necessárias que está ignorando. Comece revendo seus apetites, pois muito permanece em ti daquilo que constitui as bestas, e disto devia se envergonhar. Cuide também de teu intelecto, que embora tenha feito bom avanço, ainda continua rudimentar, estude a natureza, pois conhecendo o anjo alcançará o arcanjo.
  Treine Lord Vincus, treine como se uma batalha iminente estivesse à tua espera, tenha-se sempre atrasado, esteja sempre a exercitar a guerra.
  Afaste-se dos vícios que drogam o cérebro, dos excessivos vapores da carne que embebedam o espírito, e que sempre nos deixam temerosos quanto à nossa imagem perante os iguais e superiores, pois o Bem ou aquilo que se faz de boa fé, não envergonham a Alma.
  Não bastam à saúde e o intelecto em ato para a eudaemonia, mas as coisas que são vergonhosas ao espírito devem ser evitadas, aquelas coisas comum à mente humana, como os vícios do corpo e tudo aquilo que choca os espíritos dos viventes. Pois a eudaemonia é egoísta, não deve ser feita à custa de outros ou visando-os.
  Pois apreende agora meu filho, antes que seu corpo pereça e teu espírito se esqueça, pois é tendência do espírito tornar-se esquecidiço, como uma criança traumatizada, que se esquece de suas mazelas e substitui suas memórias por inúmeros símbolos e manifestações de seu passado, sejam de forma dolorosa ou não dolorosa.
  >> Minha projeção passou a oscilar, minha visão foi tornando-se turva, mas meus supra sentidos foram brevemente recuperados.<<
Espigueiro: Teu corpo o chama, ainda está intoxicado de teus maus costumes, vejo que não poderás mais ficar aqui por muito tempo.
Lord Vincus: Oh velho dragão, me ensine a ser virtuoso e cheio de sabedoria.
Espigueiro: Primeiro precisa limpar teu espírito, e para isso, lhe ensinarei o fogo esmeraldino.

  >> A enorme fera inspirou fundo e soltou seu hálito sobre mim, fui tomado por uma chama esverdeada, que fez meu coração expandir-se ao ponto de parecer explodir.
  Nesse momento, eu parecia estar ciente do que deveria fazer, levantei os braços, respirei profundamente, e quando finalmente expirei, levei do meu coração uma energia que misturava coragem, amor e determinação para a palma de minhas mãos, me senti poderoso enquanto a energia me subia pelos braços e minavam das minhas mãos derramando um líquido em chamas, de cor verde sobre todo o meu corpo, a chama descia pela minha pele e ao tocar o chão voltava a subir, senti todo o peso que me corrompia o espírito desprender-se com leveza e misturar-se com o ar.<<
  Espigueiro: Leve este exercício contigo, um exercício simples, indigno daqueles que se são grandes, mas para um jovem como tu, é de grande valia, use-o para purificar-se, para purificar tua casa e para purificar tuas ferramentas... Como prova de nossa identificação leve esta última pérola com você:
“Oh Humanos perecíveis, embriagados pelo vinho sem mistura da ignorância, cuja realidade limita-se aos olhos sensíveis, e quando pior, a fé não é posta sob a razão. Oh, corais humanos, despertai, pois o sofrimento desmedido e o não zelo pelo intelecto adoece a vossa alma. Oh, pobres sentimentalistas, 'ofensíveis' e efeminados, pobres e fracos, olhai no espelho à sombra da Magnificência, à sombra Demiúrgica, ansiosa por liberdade e respeito. Não matem o homem e a natureza por idealismo, idealizem um homem melhor de forma não destrutiva. Que verdades possuem aqueles que ainda sofrem? Que bens podem oferecer, que já não ofereceram a si mesmos? Crescei e multiplicai seus conhecimentos e horizontes, pois não só de pão vive o homem, já que este não é só corpo, é intelecto também, e esta parte queima de desejo pelo conhecimento."
>> Após calar-se, o dragão expeliu uma onda de fogo sobre mim, fui impulsionado rapidamente de volta, e quando voltei, foi como tivesse saltado de uma grande altura que ao bater no chão, fez meu corpo parecer subir alguns centímetros.
Eu estava mais leve, momentaneamente me sentia mais leve, como se a chama do dragão tivesse clareado e aquecido meu espírito.<<



"praebere sitientibus"
Lord Vincus
2012 

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