Muito embora os cerimonialistas e outros arteiros venham acusar os seguidores do caminho da razão ou do espírito¹ de limitarem as artes mágicas ao domínio da mente, acho muito duvidoso que estes em meio a todas as suas parafernálias e interpretações lúdicas abandonem o uso da memória e da imaginação para impor sua Vontade sobre um desejo ou símbolo. Entretanto o uso mágico sem o absurdo uso da teatralização ou da bajulação de figuras folclóricas é não só possível, como tem se mostrado em diversos aspectos mais vantajoso e bem mais aceito na contemporaneidade. Embora esse modelo mais novo de pensar magia esteja ganhando força, poucos são os autores que já o pensou sem mescla-lo indevidamente ao estilo dedicado às crianças.
   Uma forma de dar imagem à diferença de estilos é supor que Deus exista e que a comunicação com ele seja possível. O cerimonialista é aquele que precisa de um Terço, uma bíblia, a cansativa repetição de palavras e o auto sacrifício para ter algum contato. Os magos da razão são como aqueles que em seu íntimo desejam possuir o contato utilizando-se de artifícios mentais como a memória e a imaginação e impõe sobre essa a Vontade ou Ímpeto, tal como fazemos quando nos dedicamos a alguns estilos mais adultos de meditação.
  Uma crítica semelhante a feita no parágrafo acima, é também feita a igreja romana pelo católico e ocultista Eliphas Levi, assim ele disse em uma de suas cartas ao Barão Spedaliere;

 “O rosário é um respeitável brinquedo de criança. A igreja o dá, em lugar do livro, aos que não sabem ler e aos que tem medo de pensar. O rosário é uma pequena mesa giratória de oração. Ele representa a indulgência e as indulgências da igreja para os pequenos, os velhos, os débeis mentais, que fazem o que podem e que não sabem senão gaguejar a Deus as eternas sílabas de papai e mamãe.”
(Eliphas Levi, Curso de Filosofia oculta, LXXIX, Editora pensamento, 1993)

   Partindo então da clarificação de que em meu sistema muito pouco interessa continuar a difundir o espírito infantil tão caro aos ditos ocultistas de nossa atualidade, e desejando não dialogar mais com eles a partir deste ponto, venho de bom grado ensinar-lhes um exercício também infantil, porém não tão limitador quanto os arreios dos cerimonialistas. O exercício que pode ser adicionado ao conjunto de exercícios que disponibilizei certa vez em uma apostila chamada Princípios básicos da meditação dentro do sistema vincuniano é um exercício tão simples, que seu uso pode estender-se até mesmo a quem pouco se importa ao conhecimento mágico.
   Tudo que o praticante deve possuir é conhecimento matemático mínimo, não lhe será cobrado nenhum objeto estranho, apenas a vontade do saber, a matemática será usada para fortalecer a imaginação, memória e raciocínios.
    O exercício consiste em uma série de etapas simples e já conhecidas por quem acompanha meus textos, o exercício completo não passa de um enorme quadro mental onde problemas matemáticos devem ser expostos e resolvidos, muito embora a um primeiro momento isso pareça ser fácil, com a pratica as dificuldades se mostram, pois como já é do conhecimento dos iniciantes, constructos mentais complexos são difíceis de manter em sua inteireza, ainda mais quando temos induções matemáticas a fazer.
    Como manda o método vincuniano, devemos criar o constructo por suas partes compreendendo cada um de seus valores, e não fazê-lo de uma só vez, desse modo é estritamente recomendado que partamos do que é mais fácil, adicionando aos poucos o que é mais difícil até que tenhamos o constructo completo para só então poder trabalhar sobre ele.
   A primeira parte pede que o sujeito visualize uma tela branca sem deixar que a mesma se dissolva dando lugar à escuridão mental. Um modo simples de ter êxito nesse primeiro exercício é utilizando-se da memória de telas brancas (como a do cinema ou o quadro para piloto da escola) e projetando-as para si. A segunda parte já consiste e criar sobre essa tela figuras geométricas como triângulos, círculos e quadrados com cores variadas. Tendo êxito nas duas primeiras partes partamos então para a resolução de problema, que a principio pode ser utilizando-se da regra de três ou decomposição numérica por mínimo multiplicador comum.
   Podemos criar um problema simples, e resolver utilizando-se apenas de artifício da memória, podemos supor que;
“ um alquimista vai ao mercado comprar enxofre, ele precisa de 600 gramas do elemento, sendo que o kg custa R$ 9,00 reais, quanto ele deverá pagar pelo peso desejado?”

 Embora a questão pareça extremamente fácil, exigir sua resolução sem o uso de papel ou calculador pode levar algum tempo, e exercícios graduais desse gênero irá sem dúvidas alavancar nossa capacidade de raciocínio, memória e imaginação.
  comecemos primeiro a por sobre o quadro branco a fórmula para resolver a questão:



Tendo o quadro em mente, ele deve calmamente começar a resolução:

1000x=  5400
10x=54
X= 5,4

 O alquimista terá que desembolsar o valor de 5,40 para pagar pelas 600 gramas do enxofre. Como o bom ocultista deve duvidar até de si mesmo, Pode ainda prosseguir com a prova e seus cálculos, teremos;

1000-x
600-5,4

600x= 5400
6x=54
X=9
 

  Exercícios diários do gênero, trarão em pouco tempo resultados que serão muito apreciados por quem quer melhorar em suas atividades mágicas, ou até mesmo por quem não que ser ludibriado no mercado.
  O objetivo do ocultista, como já foi dito¹, é desvelar o mundo e conhecer o espírito humano para que através da aplicação desses conhecimentos, talvez, possa alcançar o estado de felicidade.
  Atualmente muitos dos ditos ocultistas, que na verdade mais parecem arteiros, creem que através da atividade de imitação poderão alcançar algum conhecimento, não podem, e se o conseguirem será por extraordinária fortuna, tal como um sem-teto que todos os dias visita determinada praça quase que religiosamente, e depois de um tempo, acaba por encontrar um tesouro perdido por algum viajante.
  Embora a arte seja necessária ferramenta de desvelo ou até mesmo de conforto para o ocultista, ela não é suficiente, além dela se faz necessário o uso da filosofia e da geometria. Sem essas a arte pode levar o ocultista ao caminho oposto no qual ele pretende seguir, ao invés de desvelar, acaba enrolado em um número maior de véus, crédulo de que descobriu alguma verdade quando está a cada prática afundando na lama fétida do poço da pseudo-trascêndencia.
  Alguns exemplos simples do que é dito no parágrafo acima é o motivo de orgulho dos ditos teurgos², sua dita capacidade de ter experiências com entidades metafísicas, onde cada um faz seus rituais tais como mandam os livros que esses acreditam serem velhos, seguem a risca o que está escrito, alheios ao porque de tais exigências colocando o termo energia em cada buraco de sua própria ignorância, pensam ser poderosos por manipular ou comunicar-se com tais criaturas e ficam orgulhosos de seus resultados.        
  No final, nada foi acrescentado ao conhecimento humano, teurgos diferentes acabam por ter resultados diferentes ou até mesmo opostos de suas experiências de um mesmo ritual, cada um assume sua própria experiência como verdadeira, nada lhes é desvelado e são incapazes de dizer claramente suas conclusões, limitam-se ao que sentem tal como uma criança que sai para passear a noite e em sua inocência crê que monstros lhe observam nos escuros becos ou até mesmo que as estrelas lhe persegue, como é comum ocorrer com os desavisados que se rendem as sensações do corpo ou do espírito ignorando o quão esses podem ser enganosos.

  São esses que espalham a erva daninha de um ocultismo absurdo, cheios de fantasias. Tal desserviço ao intelecto não é culpa desse grupo despreparado, se assim agem é por não terem sido instruídos ainda na juventude, por terem sido educados a crer no imediatismo contemporâneo ou nas maravilhas de um além-mundo. Cabe a ao Ocultista tomar para si o papel de educador, não ser aquele que dá respostas ou conclusões, mas aquele que mostra o caminho para as cinco esferas do conhecimento puro.


  Nesse texto não pretendo comentar sobre o que é o ocultismo das massas ou o que ele deveria ser. Tal desperdício de minha vida já foi feito suficientemente em outro texto¹. Desejo tratar aqui do ocultismo dentro do meu sistema, seu método, seu objetivo e suas divisões.
   O sistema vincuniano entende o ocultista não como aquele que esconde algo, que separa, mas aquele que busca o que está oculto e o desvela. O ocultista então é o sujeito que mergulha nas sombras para extrair seus tesouros. Muitas das antigas ocupações do ocultismo são ocupações hoje das ciências empíricas ou das psicologias. Muitos remédios que usamos hoje possuem por base pesquisas de alquimistas, muitas afirmações da psicologia e da moderna psicanálise já eram afirmações feitas pelo ocultismo e muitas afirmações que os físicos só começam a admitir agora já eram afirmações dos tempos dos fisiologos².
   Não tenho por pretensão também discutir a história do ocultismo, talvez faça isso em escritos posteriores, por hora apresento-lhes o que chamo de ocultismo vincuniano para que por vocês seja apreciado, criticado e se possível superado. O compromisso do ocultista deve ser com a busca do que é verdadeiro e de sua consciência de unidade, consciência esta é adquirida por meio de exercícios intelectuais e espirituais que podem estar ligados ou não a arte.
  O ocultista deve ser capaz de pensar o objeto de sua pesquisa e praticas claramente. Tudo que por ele é feito e descoberto deve ser também possível de ser comunicado, seja dizendo ou demonstrando, este deve ter como fim o conhecimento do todo e a educação de seus semelhantes, o ocultista deve ser um educador nato, afinal todo aquele que é capaz de compreender sem dificuldades determinado assunto é necessariamente também capaz de facilmente traduzi-lo, ser conhecedor e mau mestre é uma contradição. Aquele que pensa claramente também é capaz de dizer claramente. O sujeito que apoia seus estudos em sensações ou resultados obscuros não é ocultista.
  O ocultismo foi separado por mim em cinco partes, essa separação foi feita com o intuito de tornar mais clara a explicação para aqueles que não são familiarizados com o reto raciocínio. Os bons pesquisadores notarão que o número de divisões pode ser maior ou menor a depender do objetivo. O ocultismo foi dividido entre Filosofia, Fisiologia, Arte, Alquimia e Geometria. Explicarei cada um individualmente antes de partir para o fim do ocultismo.
  Entendo por filosofia, a capacidade de mostrar claramente o conteúdo de seu pensamento por meio da linguagem, estudando através dela mundo factual e valorativo além de ser a ciência que busca as causas primeiras. Dentro do ocultismo, cabe à filosofia estabelecer a ponte entre o subjetivo com o objetivo, estabelecer a comunicação entre sujeito e o ente, além de lhe ser dever também dar ao estudioso a capacidade de expressar-se claramente. A visão de um ocultista isolado e guardião de mistérios propagada por meio daqueles que nada tinham a dizer deve ser quebrada, o ocultista deve ser estudioso da arte de comunicar-se, deve compreender a nuances da linguagem e seus princípios para só então compreender o que o mundo lhe comunica. Este deve ser conhecedor do espírito humano, compreendendo seu funcionamento, estudando a razão, a memória, o prazer e o pensamento. Deve ser estudioso da arte dos discursos e do raciocínio reto4. Deve ser um bom professor.
  Entendo por fisiologia o estudo da natureza objetiva. O fisiologo é aquele que observa e investiga o mundo, através dessa observação tenta chegar por meios de juízos universais às leis que governam o mundo, e a partir delas compreender o Todo. O fisiologo se ocupa da química, física, biologia, astronomia e as demais ciências semelhantes. Só se pode tentar causar algo conscientemente ao mundo , compreendendo-o.
  Chamo de arte toda ação por meio de técnicas pré-determinadas. O artista é aquele que da a um pedregulho a forma de um elefante por meio de técnicas especificas. O artista é simplesmente aquele que aplica, que age, sem o conhecimento teórico ele é incapaz de ensinar ou até mesmo de desenvolver novos conhecimentos, um mero repetidor.
   Chamo de geômetra aquele que estuda as formas, o equilíbrio e os espaços. O geômetra é um matemático nato, não é possível qualquer aspiração ocultista sem o conhecimento desta ciência. Quando produzimos o discurso e bem medimos nossas palavras, de modo a dar ao texto o correto equilíbrio buscando as formas que melhor se encaixam nas proposições respeitando os limites do que é proposto, estamos fazendo geometria. O artista em sua técnica usa de artifícios de geometria, mesmo que não possua consciência disso. O ocultista é capaz de aplicar a geometria até mesmo em seus raciocínios de modo a chegar ao destino desejado.
  Entendo por alquimia o estudo dos estados e movimentos do mundo e do espírito³. O alquimista é aquele que é capaz a partir da filosofia, geometria e da fisiologia de desenvolver a arte.
   Aqueles que gostam de ser chamados magistas, que se apegam a parte prática como ajudante de pedreiros, encaixam-se na posição mais inferior do ocultismo e mais imediata, encaixam-se na esfera da Arte. Para ser um ocultista, deve-se participar de todas as esferas.
  O ocultista compreende o mundo como um corpo, uma unidade que deve ser desvelada, compreendendo o mundo, compreende-se a si mesmo e vice-versa. O objetivo ou fim dessa busca não pôde ser por mim determinado pelo simples fato de ainda não ter chegado a ele. Muitos dos antigos afirmarão que essa é a busca suprema e cujo fim não possui nenhum lucro que não a própria prática (um fim em si mesmo) e que a felicidade é o ganho não final, mas de enquanto se pratica.
    Embora a ciência moderna esteja ocupando o espaço que antes era do ocultista, há muito ainda a ser desvelado que não interessa aos acadêmicos, e entregar essas joias a eles pode sim significar um ganho para o conhecimento humano e para a humanidade. Posso trazer o exemplo de ocultistas que por séculos demonstram e aplicam a cura por imposição de mãos e desenvolver a arte e sua compreensão do fenômeno, não seria nenhuma perda para o ocultismo que a ciência tomasse posse dessa pratica e a utilizasse em hospitais, pelo contrário, seria um clara demonstração que uma área do conhecimento humano não acadêmica, pode muitas vezes chegar antes das áreas imediatistas.
 
Lord Vincus
Praebere Sitientibus”
2013








Notas:
2-     Estudiosos da natureza, também chamados de pré-socráticos.
3-     Mente e raciocínios.
4-      
“Cânone 33- Da reta racionalidade.

1-     Pensar racionalmente reto é refletir sobre o que é proposto.
2-     Refletir sobre o que o que é proposto se assemelha a investigação e a dúvida.
3-     Investigar é decompor o que se propõe e compreender sua natureza e o que lhe é dedutível.
4-     O alquimista raciocina de forma reta.
5-     A alquimia é baseada na decomposição e composição, Solve e Coagula.
6-     Deve-se decompor aquilo que lhe é apresentado, refletir suas partes, organizando-as dedutivelmente e assim recompô-la compreendendo se alguma parte lhe falta ou sobra.
7-     Da decomposição de algo, muito é revelado.
8-     Toda conclusão apresentada livre de investigação aparente, deve ser na medida do possível decomposta.
9-     Das partes chega-se ao Todo.
10- O homem comum ignora o principio de composição e decomposição.

11-O nada, nada cria”
(Cânones Vincunianos)

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