"Ordália" é um termo interessante usado por muitos para descrever, geralmente, as "dificuldades que um indivíduo começa a sofrer quando começa a andar em direção ao seu aprimoramento". É uma ideia interessante, embora possua uma carga de moral espiritualista, mas afirmo que ela é, em grande parte, válida. O conceito de "ordálias", no entanto, ainda carrega uma implicação consideravelmente "mistificada" e, por tanto, pretendo traze-la para um viés de compreensão mais claro, tal como fiz com a ideia de "kharma"[1].


"Ordália" se refere, dentro de uma perspectiva histórica, à um tipo de julgamento realizado, inicialmente, pela Igreja onde o indivíduo passa por uma provação de algum tipo para provar a sua resolução (a sua vontade). Dentro da ritualística de sistemas diversos temos exemplos do que podemos chamar de Ordálias formais (voto de silêncio, voto de pobreza, voto de castidade, etc.) mas vejo, no contexto atual, a ideia de Ordálias como sendo provações experienciadas pelo indivíduo por razões diversas, não tendo sido previamente estabelecidas (não sendo assim algo "formal") e sim como algo ocasionado por motivos outros. Acho fascinante essa noção, embora não atribua à ela nenhuma espécie de valor "místico" ou "mágico" ou qualquer sentido de "vontade superior" ou "respaldo kharmico do desenvolvimento da sua alma" (em verdade não sou adepto de nenhuma das ideias expostas nesta frase, kharma e "desenvolvimento da alma"). Por conta da natureza relacionada à um suposto respaldo à certas ações chamarei esse tipo de Ordália de Ordália Causal (referente à causa e efeito).

Para trazer a ideia de Ordália Causal para uma ótica mais clara precisaremos entender um pouco não só de processos sociais e humanos como também um pouco de física. Já que o nome dado é Ordália Causal precisaremos falar então, mesmo que brevemente, de Sir Isaac Newton, famoso cientista, físico e, também, Ocultista[2], e de suas famosas 3 Leis[3].

Começarei tratando dos elementos que compõem o quadro onde as Ordálias são percebidas, quando os elementos começarem a se dispor será possível entender como cada fração compõe o todo em sua forma e função. O primeiro elemento que precisamos entender é a Primeira Lei de Newton - o Princípio da Inércia. O princípio da inércia afirma que se a força resultante sobre um objeto é nula ele terá movimento (velocidade e direção) constantes. Ou seja, um objeto parado persistirá parado até que uma força aja sobre o mesmo e um objeto em movimento só mudará seu movimento se uma força agir sobre o mesmo alterando-a. Essa noção é importante, lembrem-se disso.

A Segunda Lei de Newton lida com dinâmica e vetores e diz que uma força aplicada sobre determinado sistema mecânico obtém um resultado (movimento) relacionado com a força e a direção da força que foi aplicada. A Terceira Lei de Newton é a clássica lei de ação e reação que afirma que toda ação sobre um corpo ocasiona uma reação de igual força e direção mas com o sentido contrário. Isso foi adotado de forma romantizada por muitas correntes místicas e espiritualistas como uma "comprovação mundana das leis kharmicas do universo" ou algo do gênero, e embora eu deva admitir que, de fato, também não irei me servir dessa noção dentro do seu âmago naturalmente físico também me afasto de romantizar sobre esta fascinante noção.

Agora trago à mesa também noções de sociedade e mundo. A ideia da manutenção do poder como sendo um fim almejado pelo estado para garantir a sua sobrevivência é algo que não é nem um pouco novo. A implicação disso é que o estado pode fazer o que for mas a predominância do status quo, da existência do estado e das coisas em um patamar neutro e agradável para a propagação do próprio estado, é uma condição desejável. O mesmo processo é visto em um corpo, que busca manter-se saudável para sua própria propagação. Não fosse assim o estado e o corpo se implodiriam na primeira oportunidade e isso, de fato, não ocorre. A manutenção do status quo, portanto, é fundamentalmente necessário para a existência e propagação dessas coisas.

Assim sendo consideremos consideremos a sociedade (o mundo) como um corpo em movimento constante, inercial. Esse movimento constante, assim como seu sentido, são àquilo que é previsto como sendo "normal" (status quo). Quando um indivíduo se torna capaz de realizar uma ação no mundo que é capaz de alterar a direção deste corpo, da sociedade (do mundo), este corpo tende à reagir para manter-se em sua posição constante e estável. Na sociedade e no mundo há um processo de busca pela estabilidade harmônica entre as partes, esse processo é visto na natureza selvagem com maior facilidade (mesmo considerando o processo de extinção de espécies e etc). Quando o sistema vigente é "desafiado" (tem seu paradigma alterado) ele tende à reagir em busca de retornar à seu estado de equilíbrio harmônico prévio ou adequar-se à nova realidade, equilibrando-se. Esse processo de retomada da estabilidade é, em diversos aspectos, similar à ação de um elástico, que tenta retornar ao seu estado, sua forma, de estabilidade prévia. Não sendo capaz ele se adaptará a nova condição (moldando-se, ficando mais folgado, ou mesmo rompendo-se, embora o rompimento, a quebra, não seja desejada pelo sistema).

Tendo então que a Ordália se dá através do processo de "desafio" ao paradigma vigente temos que entender agora a relação de causalidade que, justamente, entra na ideia de Ordália Causal. Ora, sendo que é necessário um corpo (um indivíduo) atuar sobre outro corpo (sociedade, mundo, etc.) de forma a alterar sua direção e este, o sistema alterado, buscará retornar a sua posição prévia de estabilidade (o movimento previsto pela trajetória inercial, estável, prévia, prevista pelo que é normal, pelo status quo) atuando (reagindo) sobre o corpo que iniciou a cadeia de alteração do paradigma do sistema. Vemos, então, como a Lei da Ação e Reação exposta por Newton se encaixa aqui. Podemos exemplificar isso com diversos casos:
Um rapaz não costumava se exercitar e ao começar ele passa por dores musculares que são típicas e esperadas. Isso pode ser uma "Ordália". A dor muscular serve como uma força de resistência à alteração do paradigma anterior (onde o rapaz não se exercitava) de forma que se esta, a  "Ordália", não for suportada (superada) o sistema logo regressará ao seu estado prévio de estabilidade, onde o rapaz não se exercitava, e se for superada o paradigma do sistema se moldará e haverá um novo sistema estável (onde o rapaz se exercita). Mas agora, então, além das dores musculares o rapaz se depara com mais um problema: seus amigos estão lhe chamando para sair. Ora, ele quer ir se exercitar mas ele também se vê desejoso de sair com seus amigos. Já que antes de ter a rotina de exercícios o rapaz tinha mais tempo, seus amigos o chamavam para sair com maior frequência, agora que parte de seu tempo, que antes era disponível, foi alocado à prática de exercícios há um choque por conta da alteração do paradigma. Os seus amigos, que aqui representam o sistema velho, persistem na busca pelo velho sistema estável, onde eles saiam com frequência e não havia esse tempo alocado à exercícios.

Esse tipo de Ordália Causal é a que é mais facilmente percebida e menos compreendida. Normalmente tendem à "mistifica"-la desnecessariamente. Se pequenos atrasos ocorressem no seu dia-a-dia e você não tivesse compromisso ou obrigação alguma isso não seria percebido como um problema. No entanto quando estas ocorrem em um dia, ou período, atribulado de afazeres mais sérios e comprometidos, ou que exigem maior esforço do indivíduo (normalmente mudanças de paradigma, comportamento e etc exigem mais esforço), estas são logo entendidas como sendo fruto de algo "místico", o que não é feliz. Se engarrafamentos acontecem de forma esporádica em determinada via em certos horários não vejo como ser possível, ou compreensível, atribuir à "forças místicas" a responsabilidade disso ocorrer justamente NAQUELE dia. Mas, ainda assim, consigo compreender a validade do conceito, embora recuse sua mistificação exacerbada.

Que fique claro que minha pretensão aqui não é a de impor nada, em absoluto, aqui, mas sim trazer uma reflexão e investigação que nos dê uma nova perspectiva acerca do assunto tratado. No mais, acredito que fui feliz em expor um contraponto ao entendimento do que seriam "Ordálias".

[1] - LEMOS, Hugo, Meditações I - Moral e Consequências
[2] - Como referência inicial para direcionar-lhe à um aprofundamento sobre o tema citarei a página sobre os estudos "ocultos" de Isaac Newton na Wikipédia (em inglês).
[3] - Artigo da Wikipédia sobre as Leis de Newton para fins práticos de acompanhamento.

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