Este será um texto um pouco mais longo mas considero que a ideia aqui expressa é FUNDAMENTAL para entendermos melhor o ocultismo e sua contraparte, o espiritualismo. Este texto possui ideias que foram previamente estabelecidas em outros textos e sugiro que estes sejam lidos para melhor compreensão do mesmo. Os links estarão no fim da postagem. Peço que leiam com cautela e atenção e, se necessário, que volte a visitar esse texto quando necessário.

Já estabelecemos, com o progresso das nossas investigações (ver leituras recomendadas no fim do texto), que crenças são aquele conjunto de conhecimentos e informações que não são factuais, não são verídicas, agora vamos parar para entender um pouco mais a fundo as implicações disso.


 Antes de mais nada vamos imaginar um rapaz em uma sala. Digamos que esta seja uma sala completamente branca com vários objetos, também completamente brancos, dispostos pela sala. O rapaz observa a sala, e os objetos que lá estão, em sua natureza, de cor branca. Agora nós daremos óculos de lentes avermelhadas ao rapaz. Ele, então, ao invés de observar de forma desimpedida a sala em sua cor natural, branca, a vê em um tom avermelhado, por conta dos óculos. Agora digamos que o rapaz se esqueça do fato de estar utilizando estes óculos de lentes avermelhadas. Ele, então, se leva à ilusão de que a sala que ele observa é de fato avermelhada e não que isso é uma mera consequência da distorção provocada pelos óculos. Assim ocorre com as crenças. Como no exemplo do rapaz nós observamos o mundo, tal como ele observa a sala. No entanto nossa ótica pessoal e nossas crenças distorcem nossa capacidade de observar àquilo que é factual, tal como os óculos de lente avermelhada distorciam a visão do rapaz. Ótica é como chamo a capacidade de observação de um indivíduo. Nossa ótica é muito facilmente distorcida por crenças, opiniões e sentimentos, nos impedindo de ver a verdadeira natureza do mundo que nos cerca. Assim como o rapaz nós muito facilmente esquecemos que estamos usando óculos de lentes avermelhadas, que temos nossa ótica distorcida, e isso leva à nos iludirmos e isto causa erros de compreensão. Atentando-nos a esta questão podemos entender melhor o fato de que as crenças e opiniões estão no indivíduo, e não nas coisas. Crenças são pessoais.

Para entendermos a função das crenças precisamos ver o que se deriva destas. Crenças estruturam um corpo de ideias que adotamos. Essas coisas que tomamos para nós como crenças nos servem de inúmeros fins. Moralidade, como um exemplo de crença, nos liga a ideias de conduta e estas nos servem para nos guiar de forma a obtermos certa felicidade nas nossas vidas e nos nossos atos. Nossa crença sobre aquilo que é bom e/ou ruim também se ligam a ideia de moralidade e nos direcionam para o mesmo fim, felicidade. Sei que é bom aquilo que eu acredito que é bom. Aquilo que é bom é bom para mim e, por isso, me atrai. O contrário ocorre para aquilo que é ruim. Isso estrutura seus gostos e desgostos. Gostos e desgostos lhe oferecem prazer, que resulta em felicidade, mesmo que momentânea. No fim temos que o conjunto de crenças estruturam o que podemos chamar de personalidade.

A personalidade é composta por crenças mas é, também, influenciada por emoções. Veja que crenças desprendem-se da necessidade de serem factuais, e, portanto, verídicas, logo elas não tem a necessidade de serem lógicas ou racionais, portanto tem um cerne passional. Isso se valida através da noção de felicidade e prazer que as crenças nos provêm. Estes são sentimentos, portanto são táteis, logo são, por natureza, irracionais. Logo, crenças são passionais. A personalidade é estruturada por crenças e, portanto, também é composta por sentimentos.

Temos então que crenças estruturam a personalidade, e esta é influenciada por sentimentos. Crenças oferecem, em instância última, felicidade para o indivíduo. Crenças dão ao indivíduo um cerne moral. Crenças estruturam como o indivíduo percebe e interage com o mundo ao seu redor. Sentimentos movem o indivíduo e guiam sua personalidade. A este conjunto de coisas chamo Espírito.

Quando me refiro à espírito não quero implicar com isso um significado metafísico de qualquer tipo. Se há algo que seja referente ao metafísico e que se confunda com espírito esta coisa deve ser chamada de alma, que teria as características de perenidade, extra-corporiedade (que está fora, ou além, do corpo) e o que mais preferir atribuir a tal. O espírito confere a vivacidade e as disposições (crenças e humor) com a intenção última de alcançar a felicidade plena.

O espirito é a parte do indivíduo que busca experienciar a vida e lhe garante prazer durante tal processo. O espírito se deleita ao se aprofundar em uma crença, ao se bem-fazer de um cerne moral, ao viver de acordo com as virtudes as quais o indivíduo é adepto. No fim o espírito se faz de crenças e como estas não são necessariamente verídicas ele se satisfaz com o puro gozo de simplesmente tê-las, nelas acreditar e por elas operar. Para o espírito tudo que o leve a felicidade é válido. A sua moralidade é relativa somente à si mesma.

Dessas atribuições retiramos, então, do que é feito as crenças, o que isso implica e também identificamos aquilo que podemos chamar de espírito. Sabemos, então, àquilo que é o fim do espírito, a felicidade, e podemos inferir, logicamente, a função daquilo que podemos chamar de espiritualismo.

O espiritualismo é a área de práticas, estudos e doutrinas que se interessa, obviamente, pelo espírito. Nessa área encontramos tudo aquilo que é referente a crenças (doutrinas religiosas, opiniões, suposições, impressões, gostos e desgostos, códigos morais e éticos), aspectos táteis e emotivos que tem como o fim o prazer último da felicidade plena. Como é composto de crenças, o espiritualismo pode ser completamente composto por suposições inverídicas. Isso implica que ele, assim como as crenças que o compõem, não são racionais ou lógicos. Suposições especulativas são mais que o suficiente, contanto que sirvam para o fim proposto, que é a obtenção da felicidade.

Podemos exemplificar isso através de um monge que vive sua vida a contemplar a natureza. Suas crenças não precisam ser validadas, pois elas se bastam. Suas práticas não precisam ter um fim outro maior, elas se bastam. O monge vive feliz e obtém a plenitude através da forma como vive. Isso é espiritualismo.
Outro exemplo, em contrapartida, seria o do cientista que se vê acordado noite após noite realizando suas pesquisas. Embora estas sejam comprovadas e de cunho racional a busca do indivíduo, suas práticas e até mesmo a noção ética de que "o acréscimo de conhecimento à humanidade é algo nobre" é algo derivado do espírito. Em sua busca frenética por conhecimento ele também se faz feliz. E isso é, também, espiritualismo. Como exemplos reais de tradições espiritualistas temos os diversos credos, as diversas religiões. O budismo, o cristianismo (em suas diversas variações), o judaísmo, o islamismo, etc.

O espiritualismo é tátil e ele se serve dos óculos de lentes avermelhadas constantemente. Se pretendes trabalhar as coisas a um nível factual necessitas entender que embora tenhas suas crenças e pratique algum caminho espiritualista, estes precisam ser postos de lado, postos em seu devido lugar, de forma a não obstruir sua ótica. Este é um dos obstáculos do ocultista.


Leitura prévia sugerida (em ordem):
[1] - FERREIRA, Vinícius, Comentários Vincunianos sobre o dito Ocultismo
[2] - LEMOS, Hugo, Da crença e da verdade
[3] - CARNAP, Rudolf, A superação da metafísica pela análise lógica da linguagem, tradução de William Steinle, do original "The Elimination of Metaphysics Through Logical Analysis of Language",
 [4] - WITTGENSTEIN, Ludwig, Conferência sobre ética, Tradução de Darlei Dall’Agnol, do original "Lecture on Ethics".
[5] - LEMOS, Hugo, Meditações I
Nas meditações buscarei adereçar certas questões que, por uma razão ou outra, não encaixam em outra proposta de texto, ou que não precisem de um texto inteiro para serem abordadas. As ideias poderão ser expostas de forma solta ou podem, no final, se amarrar em alguma temática específica. Espero que gostem.


Wittgenstein atesta que não há uma ética factual e absoluta [1], e se há, esta não pode ser conhecida ou dita. Assim sendo podemos estabelecer que não há ética verdadeira [2]. Ética e moral compartilham o mesmo cerne. Ética implica conduta e carrega em si os valores referentes a como esta conduta se dá. Moralidade é referente a estes valores que estão ligados à conduta. Estes são valores como: noções de bem e mal, virtudes e etc. Digo, então, que, em verdade, não há moral. Moral portanto se torna fruto de crença ou opinião. Não por menos os diferentes sistemas de crença e as religiões carregam consigo noções éticas e morais diferentes. A implicação disso é que a moral, e a ética, são aspectos pessoais, e não universais, e devem ser entendidas da forma que são. No mais isso não invalida estas coisas, moral e ética, apenas as bota dentro da sua devida categoria, dentro do conjunto de crenças do indivíduo.

A "lei do retorno", kharma ou como preferir chamar, pode ser compreendida à um nível místico e/ou metafísico, mas também pode ser compreendida dentro de um patamar mundano consideravelmente simples. Temos um caso onde o indivíduo realiza uma ação prejudicial para muitos outros. Ao realizar esta ação ele estará fomentando o desafeto dos indivíduos prejudicados, que podem, mais tarde, tentar prejudicá-lo de volta. Se essa ação for ilegal o sistema jurídico pode intervir para retificar o ocorrido. Em um outro caso temos que um indivíduo toma uma ação que alavanca positivamente muitos outros. Ele, ao contrário do sujeito passado, obterá o afeto destes e em uma situação de crise ele poderá se beneficiar da ajuda dos mesmos. Esses são só exemplos rasos de observação de causa e efeito de indivíduos dentro de uma esfera social. Se entramos em méritos psicológicos poderemos, quem sabe, até notar que indivíduos de uma certa índole comportamental terão atitudes mais corrosivas que outros. Estes outros podem ter uma atitude mais construtiva e florescer dentro de uma situação negativa. Acredito que a crença na "lei do retorno" seja mais uma mistificação da teia de causas e efeitos que algo "real".

Muitos indivíduos buscam uma conduta moralmente "correta" esperando, de algum ente metafísico a validação de seus atos. Isso é tolo, dentro de uma ótica factual, mas permissível para o viés de crença. Se analisarmos o que seria a ética e a moral a um nível factual elas só existem dentro de uma abordagem pragmática onde o que é ético ou moral, o correto, é, simplesmente, aquilo que é ótimo para a obtenção de determinado fim. O indivíduo observa a situação e vê a gama de possibilidades e cursos de ação que ele pode tomar para obter, com excelência, determinado resultado. Se quero encher meu copo com água busco o copo e boto água nele. Isso é um resultado ótimo. Quebrar o copo não seria ótimo. Se quero beber água acredito que beber água diretamente do jarro possa ser um resultado ótimo para o fim que busco, já que poupei energia e tempo de botar água no copo e obtive o resultado desejado, de beber a água. Moralidade e ética, a um nível factual, se resumem a isso: cursos de ação ótimos para determinado fim.

 [1] - WITTGENSTEIN, Ludwig, Conferência sobre ética, Tradução de Darlei Dall’Agnol, do original "Lecture on Ethics".
 [2] - LEMOS, Hugo, Da crença e da verdade.
O discurso é a forma como o indivíduo organiza seus pensamentos. Saber discursar, pensar, te torna um melhor argumentador, debatedor. Suas ideias se tornarão mais claras. Sua abordagem mais evidente. Isso é fundamental para o pensador, para o ocultista, em sua jornada.
Esse texto atenta à essa questão e faz parte de uma aproximação de ideias para a formação de algo que, quem sabe, possamos tratar como um "método". Espero que gostem.


Falar, pensar e investigar são, essencialmente, trabalhos onde se busca uma definição às coisas. Definir significa descrever as características de uma coisa de forma que esta não se confunda com outra coisa. Assim temos que ao definirmos estamos traçando algo como uma fronteira entre "as coisas".
 Se as fronteiras são nebulosas e pouco precisas temos, com maior facilidade, confusões relacionadas com a falta de precisão e certeza sobre a coisa que estamos tratando. Isso permite que erros de compreensão ocorram muito facilmente, fazendo com que o sentido daquilo que está sendo comunicado seja perdido. Se temos fronteiras claras e bem definidas muito dificilmente este tipo de equívoco ocorrerá, visto que temos maior certeza e precisão sobre àquilo que está sendo tratado. As coisas, quando bem definidas, dificilmente se confundem.
 O discurso que o indivíduo comunica, e a precisão ou imprecisão do mesmo, é um reflexo do seu discurso mental, dos seus pensamentos. Um indivíduo com pensamentos nebulosos e pouco precisos se expressará de forma pouco precisa, assim como um com pensamentos precisos se expressará de forma precisa. Palavras são ideias e conceitos definidos e encapsulados de forma a podermos utilizá-las. Expandindo seu léxico expandirás também as suas ideias, e obterás também mais formas de abordar todas estas. Vejam o clássico exemplo da diferença dos "amores gregos" (eros, philia e ágape) e a gama de pensamentos e abordagens que este tipo de acréscimo de palavras oferece. Essa expansão do léxico dá uma maior flexibilidade aos nossos pensamentos.
 Se expressar de forma precisa, ao contrário do que muitos pensam, não significa somente falar em absolutos e desprender-se de "poesia". Muito pelo contrário. O interlocutor preciso é como um duelista que de forma hábil e graciosa se movimenta pelo campo de batalha. Seus movimentos são certos e calculados. Ele ataca e floreia com tanta simplicidade ou complexidade quanto for de sua volição. Mas ele o faz de forma exímia, tendo controle sobre suas ações e não simplesmente tropeçando de forma tola sobre os outros acreditando, no fim, que obteve à vitória.
A precisão no pensamento e no discurso é, para o pensador, para o ocultista, como a precisão do duelista. A flexibilidade do pensamento do pensador (do ocultista) está, também, para a gama de movimentos, de manobras, que o duelista tem ao seu dispor. No primeiro caso temos, assim como o duelista, uma maior capacidade de adereçar de forma contundente àquilo que está sendo tratado sem errarmos. O duelista não erra o alvo assim como o pensador não se equivoca sobre as ideias tratadas. O segundo caso nos dá uma maior flexibilidade na nossa "forma de pensar". O duelista se adapta ao fluxo do combate. Ele se esquiva, floreia, deflete, pressiona, ataca e etc. Todos estes movimentos com suas infindáveis variações e formas são, para ele, naturais. Assim deve ser com o pensador (com o ocultista). Sua forma de pensar tem de ser flexível e adaptável. Ideias complexas podem ser abordadas de forma simples. Assim como do simples o pensador poderá retirar muito daquilo que é complexo. Isso permite que ele pense fora da caixa e jamais se veja em um ponto morto. Estas, precisão e flexibilidade, são virtudes cardeais que devem ser inatas ao pensador.
Ao clarear o discurso, tanto mental quanto "físico", o pensador obterá maior felicidade ao se comunicar. A comunicação tem um fim claro: passar adiante o sentido daquilo que está sendo dito. Se o pensador não entende essa premissa e não aceita essa verdade, ou se só o faz da boca pra fora, não  praticando esta verdade em seus atos, ele se verá confortável ao se servir de falácias, ou mesmo confundindo seus termos de forma indiscriminada. Falhará em comunicar-se e utilizará de subterfúgios para se justificar. Se pretendes pensar de forma clara e reta compreenda esta verdade e não satisfaça-te com falácias nem balbucios incognoscíveis. A precisão do discurso é, antes de mais nada, uma ferramenta para a lapidação de vossa mente. Lembrem-se disso.




III 
  Nessa minha última investigação, me parece demasiado necessário tratar de assuntos mais simples antes de prosseguir nestes que aparentam ser tão complexos e que muito exigem de meu frágil raciocínio.
  Quando pensamos em magia, entidades, símbolos e coisas semelhantes, parecemos ignorar algo relativamente simples como a linguagem. Farei uma breve exposição sobre o tema sem objetivo de alto aprofundamento, apenas como modo de dar ao leitor uma pequena lâmpada para que possa vislumbrar o caminho que estou tecendo sem correr o risco de se perder.
  Alan Moore disse certa vez em um de seus documentários, que um livro de magia é um livro de linguagens. Embora eu já possuísse essa noção há alguns anos, foi só recentemente ao ver tal afirmação, que as peças soltas em minha mente pareceram criar vida, e buscar umas as outras de modo a formar uma peça única. Com efeito todo nosso pensamento se dá em linguagem, eu diria com certo temor que todo nosso pensamento é feito em enunciados. Por exemplo, se desejo pegar algo sobre a mesa, dou a ordem ao meu corpo como enunciado, mesmo que me esqueça em seguida de ter feito, assim como quando digito esse texto penso cada enunciado segundos antes de escrevê-los. Usando esse raciocínio quando penso espíritos e quando analiso os enunciados sobre o mesmo, percebo está constantemente preso ao enunciados e aos pseudo-enunciados. Sim todo enunciado, como já lhe diz o próprio nome, deve enunciar ou dizer alguma coisa, porém muito do que dizemos acerca de questões metafísicas não são capazes de dizer algo, e sempre que nos esforçamos para falar do além mundo de forma clara, acabamos por falar do mundo.
  Quando por exemplo falamos de Deus, sempre falamos do mundo e de nossas experiências do mundo, se digo por exemplo “Deus é misericordioso” só posso compreender isso por ter a experiência em primeira ou segunda pessoa de ações ditas misericordiosas, sendo que a mesma se dá no mundo(com efeito se é misericordioso em um tempo e  espaço). Se digo ainda que Deus é onisciente, mesmo que eu não tenha a onisciência no mundo, eu possuo a ciência e tudo que preciso fazer é pensar essa mesma ciência em um extremo. O mesmo se daria com o fato de eu ter uma formiga no mundo, mas não ter no mundo uma formiga-castor-gigante, mas poderia facilmente pensar uma por ter em minha mente a ideia de formiga, de castor e de grandeza. Porém talvez a frase que melhor se aproxime de um pensamento justo sobre Deus seja “Deus é”, porém essa frase é muito pouco dedutível, podemos analisa-la de inúmeras maneiras e sempre que fizer isso recorrerei ao mundo. Segundo a tradição enquanto possuir um corpo, não poderei pensar Deus ou qualquer coisa de cunho além-mundo.
  Ainda falando daquilo que pode ou não ser pensado, quando digo “Deus é misericordioso” será que posso compreender de fato o que isso significa? Analisemos a frase, o que posso dizer sobre Deus sem submetê-lo ao mundo? A Hermética dirá que Deus é indizível, icgnoscível e parece ser impossível afastar esse pensamento, assim sendo, tentemos falar da misericórdia, podemos falar dela? Será a misericórdia, Justiça, o Bem e outras coisas atribuídas a Deus e as ações de alguns homens, pensáveis? E o que é a justiça ou a misericórdia? Podemos dar uma explicação sem recorrer a exemplos(mundo) ou que abarque tudo que é justo ou misericordioso? Essas questões morais são tão metafísicas, ao meu ver, quanto Deus. Então sobre tais temas abandono e continuo a minha investigação sobre a linguagem.
  Voltando a afirmativa de Moore, e à compreensão de certas ideias não podem ser ditas, mas apenas mostradas por exemplos( justamente por não pertencerem ao mundo precisamos de algo que lembre por semelhança ou analogia) que parece desvelar-se a nós o funcionamento das ritualísticas primitivas e visão espiritualistas que perduram até os dias atuais. Grande era Atenas, onde os homens eram reconhecidos por sua sabedoria, ou até queriam ser sábios. Mas como podiam representar essa sabedoria? como os espartanos poderiam representar a guerra? Como poderiam representar o amor? Talvez os poetas creram que com seus cantos resolveram esse problema, talvez Platão creu resolver, talvez ainda haja alguém que acredite que possamos dizer a justiça, a liberdade ou o amor sem necessitar recorrer a exemplos ou poesias.
  O que é um ritual se não uma soma de enunciados que visam ao final chegar a uma conclusão? Quando o adolescente que compra os almanaques com receitas mágicas desenha sob si um círculo, e sobre si coloca uma pena de Pavão tentando puxar para si toda a ideia de beleza que aquela pena aos seus olhos carrega o que ele está fazendo, se na montando materialmente uma cadeia de enunciados, tal como em encantamento mudo? Ou os atenienses que alimentavam e usavam corujas em seus cerimoniais a fim de se tornarem mais sábios? Ou até mesmo os nordestinos brasileiros que matariam essas mesmas corujas se pudessem, a fim de espantar a morte?
  Objetos não carregam ideias, a coruja leva a esperança de sabedoria a quem dela espera a sabedoria tal como leva o temor a morte a todos os nossos vizinhos do interior do nordeste que ouvem seu piar a noite. Os objetos em nossos rituais são enunciados, são ideias, afirmações transformadas em símbolos talvez, para educar os que eram desfavorecidos intelectualmente e que lotavam os templos e seus sábios com problemas.    Como ensinar a quem está sempre ocupado com o trabalho braçal ou logístico as deficiências da linguagem e a busca de um poder não imediato, um conhecimento reflexivo? “Ensinemo-los nossos saberes, mas sejamos didáticos, dissemo-los que devem buscar a justiça e façamos dela uma deusa a sempre vigiá-los. Demonstremos como transmutamos nosso espírito, mas de modo que possam ao seu modo acompanhar, façamos objetos, imagens e até mesmo usemos drogas para auxiliar espíritos tão incapazes” Assim creio pensaram os antigos quando divulgaram seus saberes aos círculos externos, e assim ainda pensamos hoje, ainda falamos com Atenas e ainda tememos os daimons.

  Onde fica então esse mundo espiritual se não em nós mesmos? O que são todos esses espíritos se não uma manifestação do que temos dificuldade de traduzir sobre o mundo e sobre nós? O que é toda a ritualística se não um modo primitivo e falho de desvelar aquilo que nós ocultamos? Ora se compreendermos esses espíritos, esses Samael, Asmodeus, Atenas, Jesus e tantos outros em nós mesmos, será que precisaremos dessas vestimentas ultrapassadas e de significados perdidos no tempo?
  O que é um banimento, se não uma teatralização física do que queremos nos livrar em nossa mente? Imaginamos o punhal ameaçando nossos medos, imaginamos a água lavando nossos temores. O que são os ataques espirituais se não a ideia que não pode ser facilmente traduzida travestida de símbolos e deuses? Para que havemos de querer um mundo espiritual se já temos um mundo grande e desconhecido em nosso próprio espírito?
  Não quero por meio desse texto afirmar nada a vocês, apenas alfineta-los e despertar uma ou outra reflexão, de modo a quebrar os grilhões que lhes prendem tão fortemente as tradições e aos maus poetas.

 II
   Analisemos um texto poético para a partir dele tratarmos sobre a questão dos espíritos e da evocação;
 
Era mais ou menos duas horas da manhã de um sábado. Lord Vincus estava em seu quarto meditando, e os únicos sons que se ouvia era o de cantos gregorianos que eram gerados pelo seu computador, mas que pareciam sair de todas as paredes.
  O jovem magista deitou-se de barriga para cima e então algo lhe ocorreu. Estava dormindo e ao mesmo tempo consciente de tudo ao redor.
Primeiramente sentiu um grande peso sobre seu corpo que lhe esmagava o espírito, conforme lutava para levantar o peso migrava paras as partes que continuavam na cama como a perna e a cintura, quando finalmente levantou-se completamente, contemplou sua própria imagem inerte, e em um determinado momento o corpo que a pouco utilizava já não lhe interessava mais.
  >> Fechei os olhos, desejei visitar os montes onde um velho amigo habitava, e ao abrir os olhos, eu lá estava.
  O chão de pedra era cortado por fios d’água cristalinos, toda a água partia de um único local, uma caverna mais adiante, o sol brilhava no alto de um céu alaranjado ornado de duas luas, o clima era muito agradável.
Ao me aproximar da caverna ergui as mãos e evoquei a chave vincuniana sob meus pés, o símbolo brilhou forte em tons de verde, e foi então que declamei o encantamento sagrado.
Um grande rugido foi lançado para fora da caverna, este som embora assustador, fez meu coração expandir-se em força e vontade. Decidi entrar, lá dentro estava muito escuro, e ao chegar a um determinado ponto, dois olhos vermelhos muito brilhantes iluminaram o local. O dono desses faróis era um enorme réptil coberto por escamas verdes reluzentes, o pescoço e as costas possuíam ossos afiados brotando sem ordem, suas asas estavam abertas, o que lhe deixava ainda maior, e de sua boca lotada de dentes escapava uma fumaça acinzentada, que por vezes encobria seus bigodes de carpa.
  Coloquei-me à frente da fera, que aparentemente não demonstrava nenhum raciocínio, mas sua imagem despertava um misto de respeito e serenidade. Estando diante do dragão, desejei olhar através dos olhos dele; e assim ocorreu, ao invés de vê-lo, via a mim mesmo. Não como costumo ver as coisas, mas de alguma forma também enxergava com o olfato.
   Eu via um humanoide, muito vermelho e brilhante, possuía um cheiro metálico que me abria o apetite, rapidamente deixei a visão do dragão e voltei a mim.<<
Espigueiro: Há quanto tempo não lhe vejo, e não ouço aquela evocação sem nenhuma beleza ou harmonia.
Lord Vincus: Ora Esmeraldino, se esquece de que eu era ainda jovem quando compus aquilo?
Espigueiro: Você ainda é jovem Lord Vincus, jovem e tolo, mas dentre a maioria dos humanos, ser seu guia não é uma opção tão desagradável.
Lord Vincus: Vejo que seu bom humor continua intacto, mesmo depois de um ano sem minhas visitas.
Espigueiro: Tenho vida muito longa em relação aos seres mais jovens, um ano terrestre não é nem de longe uma grande espera, mas em relação ao período de visitas que você costumava fazer, sim, faz muito tempo.
Lord Vincus: Não vamos ficar jogando conversa fora, não sei quanto tempo conseguirei permanecer separado do meu corpo denso, então vamos ao que interessa.
Espigueiro: O que deseja Lord Vincus, pelo espírito, apreender?
Lord Vincus: Quero que me ajude a melhorar minhas habilidades e conhecimentos.
Espigueiro: Até que suas habilidades sejam consideradas dignas de serem chamadas assim, levará muito tempo e será muito trabalhoso, mas posso ajudá-lo a seguir por esta via meu jovem pupilo.
Lord Vincus: Por onde começo guardião?
Espigueiro: Você precisa aprender muito, e há condições não suficientes, mas necessárias que está ignorando. Comece revendo seus apetites, pois muito permanece em ti daquilo que constitui as bestas, e disto devia se envergonhar. Cuide também de teu intelecto, que embora tenha feito bom avanço, ainda continua rudimentar, estude a natureza, pois conhecendo o anjo alcançará o arcanjo.
  Treine Lord Vincus, treine como se uma batalha iminente estivesse à tua espera, tenha-se sempre atrasado, esteja sempre a exercitar a guerra.
  Afaste-se dos vícios que drogam o cérebro, dos excessivos vapores da carne que embebedam o espírito, e que sempre nos deixam temerosos quanto à nossa imagem perante os iguais e superiores, pois o Bem ou aquilo que se faz de boa fé, não envergonham a Alma.
  Não bastam à saúde e o intelecto em ato para a eudaemonia, mas as coisas que são vergonhosas ao espírito devem ser evitadas, aquelas coisas comum à mente humana, como os vícios do corpo e tudo aquilo que choca os espíritos dos viventes. Pois a eudaemonia é egoísta, não deve ser feita à custa de outros ou visando-os.
  Pois apreende agora meu filho, antes que seu corpo pereça e teu espírito se esqueça, pois é tendência do espírito tornar-se esquecidiço, como uma criança traumatizada, que se esquece de suas mazelas e substitui suas memórias por inúmeros símbolos e manifestações de seu passado, sejam de forma dolorosa ou não dolorosa.
  >> Minha projeção passou a oscilar, minha visão foi tornando-se turva, mas meus supra sentidos foram brevemente recuperados.<<
Espigueiro: Teu corpo o chama, ainda está intoxicado de teus maus costumes, vejo que não poderás mais ficar aqui por muito tempo.
Lord Vincus: Oh velho dragão, me ensine a ser virtuoso e cheio de sabedoria.
Espigueiro: Primeiro precisa limpar teu espírito, e para isso, lhe ensinarei o fogo esmeraldino.
 

  >> A enorme fera inspirou fundo e soltou seu hálito sobre mim, fui tomado por uma chama esverdeada, que fez meu coração expandir-se ao ponto de parecer explodir.
  Nesse momento, eu parecia estar ciente do que deveria fazer, levantei os braços, respirei profundamente, e quando finalmente expirei, levei do meu coração uma energia que misturava coragem, amor e determinação para a palma de minhas mãos, me senti poderoso enquanto a energia me subia pelos braços e minavam das minhas mãos derramando um líquido em chamas, de cor verde sobre todo o meu corpo, a chama descia pela minha pele e ao tocar o chão voltava a subir, senti todo o peso que me corrompia o espírito desprender-se com leveza e misturar-se com o ar.<<
 
 Espigueiro: Leve este exercício contigo, um exercício simples, indigno daqueles que se são grandes, mas para um jovem como tu, é de grande valia, use-o para purificar-se, para purificar tua casa e para purificar tuas ferramentas... Como prova de nossa identificação leve esta última pérola com você:
“Oh Humanos perecíveis, embriagados pelo vinho sem mistura da ignorância, cuja realidade limita-se aos olhos sensíveis, e quando pior, a fé não é posta sob a razão. Oh, corais humanos, despertai, pois o sofrimento desmedido e o não zelo pelo intelecto adoece a vossa alma. Oh, pobres sentimentalistas, 'ofensíveis' e efeminados, pobres e fracos, olhai no espelho à sombra da Magnificência, à sombra Demiúrgica, ansiosa por liberdade e respeito. Não matem o homem e a natureza por idealismo, idealizem um homem melhor de forma não destrutiva. Que verdades possuem aqueles que ainda sofrem? Que bens podem oferecer, que já não ofereceram a si mesmos? Crescei e multiplicai seus conhecimentos e horizontes, pois não só de pão vive o homem, já que este não é só corpo, é intelecto também, e esta parte queima de desejo pelo conhecimento."
>> Após calar-se, o dragão expeliu uma onda de fogo sobre mim, fui impulsionado rapidamente de volta, e quando voltei, foi como tivesse saltado de uma grande altura que ao bater no chão, fez meu corpo parecer subir alguns centímetros.
Eu estava mais leve, momentaneamente me sentia mais leve, como se a chama do dragão tivesse clareado e aquecido meu espírito.<<”

(Lord Vincus,Viajem ao dragão esmeraldino, A Casa-ocultismo, 2012)
  O autor usa-se da liberdade poética, mística para transmitir uma ideia moral, espiritualista e até mesmo magicista. Apesar de ser um texto para um público mais jovem, muito pode ser extraído do mesmo, se bem analisado.
   É narrado nesse texto em um primeiro momento, um exercício meditativo e a partir dele a suspensão da consciência para algo que não aparenta ser o mundo natural do personagem
 “o sol brilhava no alto de um céu alaranjado ornado de duas luas, o clima era muito agradável.”
  Um leitor mais afoito, creria rapidamente que o mundo descrito de fato existe, ou pior, não seria capaz nem ao menos de alcançar o que o texto de fato traz, daria atenção apenas às insinuações de projeções ou sobre um dragão falante. Tomaria rapidamente o texto como verdadeiro, não o analisaria, não de fato o leria.
   O que podemos inferir do texto, se ousarmos desvelar o que não é facilmente compreendido? O texto escrito possui somente a ideia de uma projeção, um dragão e um mundo estranho a oferecer? Bem parece que apenas análises superficiais parecem ser capazes de fazer os muitos que se dizem ocultista, ao menos, é isso que se torna evidente quando se propõe a comentar e divulgar sobre assuntos diversos seja sobre mitos, religiões ou até mesmo ao conjunto de textos da hermética.
   Voltando ao texto citado(pois é mais fácil), o autor tem por objetivo pregar uma visão espiritualista onde os vício do corpo supostamente atrapalham o desenvolvimento do espírito, logo atrapalha o sujeito enquanto ocultista ou magicista, e que tais vícios e dificuldades, acabam por ser culpa do próprio sujeito. Após um sermão dado pelo Dragão(que aqui faz o papel de mentor) ele lhe ensina uma técnica totalmente voltada a projeção de sensações para a purificação e banimento.
   As questões que devemos levantar são; como esse autor chegou à técnica de purificação?(supondo que não lhe fora revelada por um espírito) Como sabe que ela é de fato eficaz? Como saber que a descrição de um mundo espiritual, de modo geral é correta?
  Vejamos de onde partem as teorias sobres os espíritos e o além-mundo. Toda teoria desse gênero, sem dúvida parece partir de três modos possíveis, quando não nos referimos a comentadores. Parecem partir de revelação espiritual, dedução racional ou criação poética.
  A revelação espiritual sobre os espíritos e seu mundo é a mais comum de se encontrar na literatura, e que a mais deve ser rejeitada pelos ocultistas. Muito embora afirmem ser essa minha afirmação absurda, devemos questionar até que ponto a revelação espiritual de um terceiro é válida, uma vez que esse terceiro pode na melhor das hipóteses ser um doente mental e na pior das hipóteses o espírito pode ter lhe enganado sobre tudo que lhe fora revelado.
  O modo racional muitas vezes é ligado a revelação espiritual. Não era incomum entre os pensadores do medievo, tentar provar o que era dito pelos primeiros evangelistas e suas revelações por meio da razão(coisa que muito observamos na escolástica), não sem motivo que era muito comum fazer uma leitura bíblica utilizando-se de pensamentos aristotélicos ou platônicos.
  O ultimo modo, muito comum, é o uso de termos religiosos para tornar o pensamento mais didático para a massa, mais palatável, ou até mesmo usa-se da poesia mística por uma simples questão estética. O problema deste modo é que a massa que ascende às tradições acabam por tomar boa parte dos círculos internos, ficam presos a visão poética e acabam por passa-la a frente, tornando o ocultismo em um ocultismo de facebook, um antro de alucinados e maus poetas.
  Dentro dos três modos, parece não haver nenhum que seja confiável, uma vez que o primeiro temos que ficar a mercê da crença na honestidade de um espírito além da crença na saúde mental daquele em que algo foi revelado. No segundo modo não se usa do raciocínio para chegar a uma conclusão, mas usa-se da conclusão para montar raciocínios o que facilmente nos leva ao engano (embora seja o modo mais seguro) e o último é falso desde o início. Esse problema não é observado por mim, já fora observado pelos bons ocultistas há muito tempo, e três soluções foram dadas para tentar resolvê-lo, as apresentarei agora;
  A primeira diz que o homem é capaz de sair de seu próprio corpo, e uma vez fazendo de si mesmo um espírito, pode por si mesmo vislumbrar o mudo espiritual e aprender sobre ele. Esse método que é muito querido entre os adolescentes e os espiritualistas de facebook(a diferença entre um e outro é mínima) é assaz problemático, como mostrarei agora. O que me garante que a projeção não é uma construção mental do sujeito, tal como ocorre aos moradores dos manicômios, sendo que a diferença entre um e outro é o desejo do delírio? Como diferenciar a projeção de um sonho? Com efeito, não é incomum enquanto sonhamos, julgarmos-nos acordados e no mundo, e se somos enganados enquanto sonhamos (e quando acordados), que garantia temos que em projeção(caso não seja um sonho) estamos de fato vendo o mundo espiritual ou não estamos criando-o ou nos enganando de outro modo?
  O segundo modo desenvolvido pelos neo-hermetistas é a partir do principio de correspondência ou da analogia hermética, ou seja, observando o mundo material(ou médio) podemos por analogia compreender o mundo espiritual, já que ambos possuem um mesmo criador e são regidos por leis mesmas(que diferem em grau de execução). Esse método é mais racional que o primeiro, e mais provável de nos levar algum conhecimento de fato.
  O último modo, e o meu preferido, é a rejeição completa de um além mundo, e a compreensão de que mesmo que esse exista, não pode ser alcançado pelo homem em vida(Como já dizia Platão, Tomás de Aquino e outros) e por isso qualquer esforço para alcança-lo é inútil, cabendo ao ocultista então ocupar-se do mundo e do que o mundo vela, sem gastar sua vida em busca de outros. Dentro dessa ótica ainda, os autores antigos que possuíam forte influência do orfismo, criam que o mundo espiritual era transcendente, de modo que se levássemos uma vida de investigações e reflexões, nossa alma acostumar-se-ia ao saber e quando morresse-mos poderíamos transcender e desvelar o mundo espiritual(mas só após a morte).
   *OBS; Há ainda o modelo cabalístico, mas por ser um ignorante do tema e não possuir meios de estudar a cabbalah em fontes confiáveis e em seu idioma materno, irei me abster sobre a mesma.

  Partindo disso, toda experiência, toda literatura e toda afirmação sobre espíritos, que cansam de se contradizer a depender de quem fale disso, parece perder o sentido de ser discutido. Porém, ainda temos um longo caminho a percorrer nesse texto e não devo me cansar agora, ainda me resta dar um último parecer sobre espíritos e falar melhor sobre banimentos.
I

      Graça a supremacia do imediatismo contemporâneo, onde com recursos do mundo globalizado as informações já nos chegam prontas, não é incomum, entre os mais jovens a crença de que por ter lido dois ou três artigos sobre determinado assunto, ter seguido duas ou três receitas delirantes e participar de um grupo de facebook de que são grandes magos ou especialistas nesse ou naquele assunto. Talvez sejam, mas a chance de que isso seja verdadeiro é tão mínima que é incrível que tantos homens feitos aceitem tais saberes que são distribuídos tão facilmente.
   Antes de entrar no assunto de nosso título, creio ser necessário tratar o mínimo possível sobre as fontes e os modos de pesquisa e de que modo podemos evitar sermos enganados por textos, pessoas ou pelas experiências.
   Devemos atentar que o fato algo está escrito em um livro, não significa que por isso ele seja verdadeiro, e devemos saber como ocultistas, que sempre que não pudermos alcançar a verdade em uma investigação, devemos adotar sempre o raciocínio mais provável. Ler em um livro que espíritos existem ou que determinado ritual lhe torna especial, não faz com que espíritos existam ou que você irá se tornar especial. Os textos devem então serem analisados em um primeiro nível, que é o argumentativo. Um texto que apresenta razões insuficientes para suas afirmativas, que se contradizem ou que não apresentam razão nenhuma sendo apenas uma cadeia de afirmações ou receitas deve ser tomado com todo cuidado por um ocultista, e talvez, até rejeitado. Uma vez analisada a didática do texto(em geral, no que diz respeito aos comentadores de ocultismo e textos receitas a didática é péssima) deve-se analisar seus resultados práticos.
   Antes de falar de prática trarei elementos que devemos atentar na leitura de um texto ocultista para saber se ele é mais uma obra febril ou religiosa, ou perceber ainda se é mais uma das muitas obras de mercadores exotéricos.
  Não é difícil escritos de magistas e poetas místicos(além de um grande número de adolescentes e senhoras solteiras no facebook) a afirmação da existência de criaturas fantásticas e de sua estreita comunicação ou até domínio delas, de modo a não poderem dar dados mínimos que sustente essas afirmações, e sempre se mostrarem demasiado agressivos quando uma mente mais curiosa questiona a veracidade dessas afirmações. Uma vez que cabe ao ocultista a busca do saber e não a mera credulidade que é dada aos cidadãos servis, não faz muito sentido sentir-se ofendido, ao ser questionado por um.
  Se um sujeito traz uma ideia, mas não é capaz de defendê-la é quase certo que tudo que ele afirma tem como base experiências mal refletidas que por sua vez levaram-no quase que a força a uma conclusão problemática. Tal como uma criança que após ver um filme de terror escondido de seus pais começa a ver(experiência) monstros e por isso conclui rapidamente que é perseguida, também não é incomum entre os que iniciaram a investigação sobre o ocultismo ou o espiritualismo, acabarem por ficar espantadas pela qualidade diferente de informações que apreendem e por isso acabam por acreditar serem especiais espiritualmente a ponto de comandar seres supraterrestres ou até mesmo se tornarem amigos deles, podendo essas novas mentes acreditarem que estão na presença de gnomos, fadas, demônios ou qualquer outra criatura que foi mencionada nos livros dos poetas que se dizem ocultistas.
   Devemos atentar então que a experiência é enganosa, seja experiências feitas por nossos sentidos, sejam experiências emocionais ou mentais. Citarei modos simples de como somos constantemente enganados e de como constantemente enganamos a nós mesmos.
 Não era incomum aos antigos, por experienciar que a terra onde pisavam era parada, a conclusão de que o nosso mundo(planeta) estava fixo no centro do universo(que igualmente se limitava até as estrelas que eles podiam ver) e tinha os astros girando em torno de nós. Só quando a teoria do heliocentrismo foi trazida e mais tarde comprovada matematicamente, que o homem moderno(fim do renascimento) se deu conta de que seus sentidos lhes enganaram sobre o mundo. Outro exemplo de como os sentidos nos engana é a observação de sermos seguidos pela Lua e pelas Estrelas em um passeio noturno. Não me surpreenderia se um homem selvagem viesse a crer por isso, que tanto a Lua como as Estrelas são espíritos guardiões.
  Há exemplos simples de como somos enganados por nossas emoções e intuições, seja quando cremos que amamos algo e percebemos não amar quando o temos ou quando acreditamos ser amados sem sermos. As intuições, do mesmo modo, nos enganam rapidamente quando por exemplo, intuímos rapidamente um resultado para determinado cálculo e por ter ignorado algum sinal, percebemos ter errado.
  Visto que não podemos confiar no que comumente confiamos, já que o bom senso manda não confiar em quem costuma nos enganar, me parece ser interessante oferecer um método que prive os iniciantes a não caírem em abismos tão profundos, que por passar tanto tempo no escuro acabem por crer estar acompanhados por quem não está lá.

   Cumpre crer que sempre que algo se nos apresenta, que quando queremos extrair dele alguma verdade, que devemos analisa-lo minuciosamente, de modo que possamos antes de escolher uma conclusão qualquer, observar todas as conclusões possíveis, e conforme avancemos em nossas investigações possamos pouco a pouco descartar tais conclusões até que reste o menor número delas. Assim, só depois de ter decomposto tudo aquilo que analisamos, separamos o mais fácil o que do que é complexo, e quando tiver nos certificado de que compreendemos o que é mais fácil, podermos através disso passar para o que é mais difícil, uma vez que a compreensão do que era mais simples ajudará a revelar o que é complexo, e a partir disso por organizado em séries tudo o que analisamos. Assim não só teremos mais facilidade de alçar algum conhecimento sobre o problema apresentado, como teremos alcançado verdades sobre várias coisas além do problema proposto e por ter separado tudo em série do mais simples ao mais complexo, poderemos sempre recorrer a essas investigações quando nos falhar a memória.

"Praebere Sitientibus"
Lord Vincus
2013

Saudações, meus queridos. Sou o novo membro dA Casa (Ocultismo) e espero contribuir de forma louvável para o crescimento tanto de vocês como o desse admirável recinto. Começarei apresentando um texto, e seu adendo. O texto foi formulado dentro de uma proposta de reformulação de ótica e abordagem para o ocultismo e complementa a ideia iniciada por Vinícius neste mesmo blog, então ele tem um critério um tanto epistemológico (espero que esteja usando o termo de forma correta). O adendo serve como um sumário explicando os termos utilizados. Pois bem, aqui está:


Uma paisagem com um campo verde florido e um riacho estão ilustrados em um quadro.

1. Ao observar isso podemos atestar que de fato estamos observando um quadro e que nesse quadro está ilustrado uma paisagem com um campo verde florido e um riacho.
1.1 Se você considera essa imagem bela, então você a verá assim, mas isso não muda o que a imagem é tampouco se eu disser que a imagem é feia. Em verdade a imagem não mudará. Ela persistirá sendo àquilo que ela é: uma imagem de uma paisagem com um campo verde florido e um riacho.
1.1.1 Beleza é um valor relativo, sujeito à crença pessoal de cada um. Ainda que haja um consenso majoritário que algo é belo, isso, ainda assim, persistirá como sendo uma crença. Uma crença comunal, mas ainda uma crença.
1.1.2 Se algo for verdadeiramente belo então não haverá questionamento sobre esta coisa ser bela ou não. Se assim for então teríamos também um padrão para classificar, factualmente, o que é, ou não, belo e isso, de fato, não existe.
1.2 Assim como diversos outros adjetivos de valores relativos, frutos de opiniões, crenças e óticas individuais, a beleza, ou não, de algo nada muda a coisa em si.

2 Adjetivos não dão um caráter novo a coisa em si, nem a alteram. Se eles oferecem alguma espécie de informação, esta seria acerca da opinião e ótica da pessoa que comunicou isso.
2.1 Se digo que tal quadro é feio, isso não mudará o que o quadro é, nem sua ilustração, nem nada. Mas lhe informará o que eu creio sobre o dito quadro.

3 Constatações, no entanto, dizem respeito à fatos acerca de coisas, tal como o quadro e sua imagem.
3.1 Se constato que o quadro tem uma ilustração de uma paisagem com um campo verde florido e um riacho então é isso que eu percebo. Esta informação constitui aquilo que eu percebo, de forma que se ela se alterasse, aquilo que percebo se alteraria.
3.2 Constatações se baseiam em informações verídicas e, por óbvia consequência, factuais. Elas independem do indivíduo e se mantém por si só.

4 Constatações de fatos e crenças de valores relativos se confundem pra construir aquilo que nós percebemos.
4.1 Se constato que tal obra é de uma escola artística X então mesmo que a obra em si não mude, seu entendimento sobre a obra mudará, lhe dando mais profundidade no entendimento da mesma.

5 Opiniões/crenças expressam qualidades, informações, por outro lado, expressam fatos. Assim sendo, constatações lhe passam informações. São informativas.

6 Crenças se manifestam no indivíduo.
6.1 No caso da beleza, ou feiura, do quadro: a beleza não está no quadro ou na imagem e sim na consideração de quem o observa. Ele é, de fato, desprovido de tais qualidades pois é somente um quadro ilustrando um campo verde florido e um riacho. Se ele é percebido, ou não, como sendo belo vai do indivíduo que atribui essa qualidade ao mesmo, tal como o ditado que diz "beleza está nos olhos de quem vê".

7 Verdades são fatos constatados. Eles independem do indivíduo, de ótica ou opinião, para existirem, ao contrário das crenças.
7.1 Verdades e fatos ocorrem fora do indivíduo e tem um aspecto universal. Se algo pende ao particular ou à ótica ele não será um fato, mas sim uma opinião ou crença.
7.2 Fatos e verdades podem tanto nos comunicar uma observação externa (que lida com a relação de um elemento com o outro, como em: "ele acha o quadro bonito") como pode lidar a observação de características internas (a dita descrição do quadro).

8 Verdades (constatações factuais) e crenças muitas vezes se confundem por conta de enunciados mal elaborados.
8.1 Em um caso onde um indivíduo diz "a minha verdade é que azul é a melhor cor" ele estará cometendo uma série de equívocos.
8.1.1 Primeiro pois para azul ser "a melhor cor" então deveria haver algum critério definido e racionalmente observável que ateste que para esse fim predeterminado azul é, de fato, a cor ótima para servir a esse fim. Assim notamos que ele tinha a pretensão comunicar sua predileção pela cor mas foi infeliz na formulação do enunciado.
8.1.2 Em seguida temos que ele anuncia que esta é a "verdade dele". Ora, verdades são constatações de fatos e, portanto, independem de uma ótica particular para existirem sendo o que são. Por definição isso impede que uma verdade seja pertencente a um indivíduo, se ela existir, de fato, então ela será comum para todos que sejam capazes de analisa-la.
8.2 No entanto temos que um enunciado que comunica uma crença, como "eu prefiro a cor azul" manifesta não só a crença como também uma verdade. Isso gera muitas confusões, no entanto vou explicar.
8.2.1 A crença se manifesta no indivíduo -a predileção de determinado sujeito pela cor azul- e a verdade se manifesta no fato de tal sujeito ter esta crença, de forma que temos dois elementos distintos e separado em um só enunciado: uma crença expressa desprovida de verdade e uma verdade desprovida de crença.

Saber diferenciar um e outro é fundamental para o ocultista em sua jornada.

Não podemos viver sem nossas crenças e opiniões. Elas fundamentam quem somos e no que acreditamos. O que gostamos ou deixamos de gostar. Ela estrutura nossa identidade, nossa personalidade. Nos proporciona prazer e alegria.

Perder isso não é interessante para o indivíduo, a não ser que ele creia que seja e, se assim for,ele também estará agindo de acordo com isto que digo.

A constatação de fatos é o que nos traz a percepção da verdade.

Informações estruturam a forma como vemos o mundo, opiniões dizem o que achamos disso.

Saber moderar um e o outro. Saber equilibrar um e o outro. Saber separar um e o outro.

Nenhum melhor. Nenhum pior. Ambos em seu devido lugar. Em sua devida proporção. Em harmonia.

Adendo

Valores relativos tem seu significado alterado de acordo com o contexto.

Valores absolutos não tem seu significado alterado de acordo com o contexto.

A palavra "informação" não tem seu valor e emprego alterado de acordo com o contexto. O significado dessa palavra é "absoluto". No entanto, o que ela comunica -a informação que vai ser passada- muda de acordo com o contexto. Ainda assim isso não altera o significado de "informação", de forma que ela é, ainda assim, uma palavra com significado de valor absoluto.

Palavras como "bem" ou "belo", no entanto, tem seu significado e emprego constantemente alterados pelo contexto. O significado das palavras, o que elas representam e significam, o que elas "são", o que torna elas "elas", muda de acordo com o contexto. Dessa forma lhe digo que elas são palavras com valor relativo.

Verdades são constatações de fatos. Constatar um fato significa observa-lo de forma direta e consciente. Um fato é um acontecimento, ou uma soma de acontecimentos, observável em uma dinâmica tempo-espacial que se arranja de forma a estruturar as coisas tal qual são. Observar um fato implica estudar as estruturas e os acontecimentos em busca de um cerne lógico, natural e impessoal que é próprio aos fatos.

Crenças e opiniões são observações, pensamentos e ideologias de valores relativos tomados por um indivíduo. Elas não são factuais e portanto não carregam valor de verdade. No entanto indivíduos adotam essas crenças e opiniões para formatarem sua ótica acerca do mundo que lhes cerca manifestando por meio destas sua personalidade, seus gostos e desgostos.

Quando falo da "natureza" não me refiro à natureza observável, e muitas vezes romantizada, e sim àquilo de que é feita a realidade. Me refiro àquilo que pode ser chamado de "matéria" ou simplesmente de "existência", ambas em seu âmbito familiar e próprio.

Para produzirmos sentido nas nossas observações da Natureza do Universo precisamos nos utilizar de sistemas de linguagens. Esses sistemas de linguagens, com seus signos, carregam dentro de si o valor de fato por sua existência e, conforme oferecem sentido para outras observações, geram teias de significados que estruturam uma cadeia de sentidos que é responsável por nos dar o entendimento acerca do objeto tratado.


  Muito embora os cerimonialistas e outros arteiros venham acusar os seguidores do caminho da razão ou do espírito¹ de limitarem as artes mágicas ao domínio da mente, acho muito duvidoso que estes em meio a todas as suas parafernálias e interpretações lúdicas abandonem o uso da memória e da imaginação para impor sua Vontade sobre um desejo ou símbolo. Entretanto o uso mágico sem o absurdo uso da teatralização ou da bajulação de figuras folclóricas é não só possível, como tem se mostrado em diversos aspectos mais vantajoso e bem mais aceito na contemporaneidade. Embora esse modelo mais novo de pensar magia esteja ganhando força, poucos são os autores que já o pensou sem mescla-lo indevidamente ao estilo dedicado às crianças.
   Uma forma de dar imagem à diferença de estilos é supor que Deus exista e que a comunicação com ele seja possível. O cerimonialista é aquele que precisa de um Terço, uma bíblia, a cansativa repetição de palavras e o auto sacrifício para ter algum contato. Os magos da razão são como aqueles que em seu íntimo desejam possuir o contato utilizando-se de artifícios mentais como a memória e a imaginação e impõe sobre essa a Vontade ou Ímpeto, tal como fazemos quando nos dedicamos a alguns estilos mais adultos de meditação.
  Uma crítica semelhante a feita no parágrafo acima, é também feita a igreja romana pelo católico e ocultista Eliphas Levi, assim ele disse em uma de suas cartas ao Barão Spedaliere;

 “O rosário é um respeitável brinquedo de criança. A igreja o dá, em lugar do livro, aos que não sabem ler e aos que tem medo de pensar. O rosário é uma pequena mesa giratória de oração. Ele representa a indulgência e as indulgências da igreja para os pequenos, os velhos, os débeis mentais, que fazem o que podem e que não sabem senão gaguejar a Deus as eternas sílabas de papai e mamãe.”
(Eliphas Levi, Curso de Filosofia oculta, LXXIX, Editora pensamento, 1993)

   Partindo então da clarificação de que em meu sistema muito pouco interessa continuar a difundir o espírito infantil tão caro aos ditos ocultistas de nossa atualidade, e desejando não dialogar mais com eles a partir deste ponto, venho de bom grado ensinar-lhes um exercício também infantil, porém não tão limitador quanto os arreios dos cerimonialistas. O exercício que pode ser adicionado ao conjunto de exercícios que disponibilizei certa vez em uma apostila chamada Princípios básicos da meditação dentro do sistema vincuniano é um exercício tão simples, que seu uso pode estender-se até mesmo a quem pouco se importa ao conhecimento mágico.
   Tudo que o praticante deve possuir é conhecimento matemático mínimo, não lhe será cobrado nenhum objeto estranho, apenas a vontade do saber, a matemática será usada para fortalecer a imaginação, memória e raciocínios.
    O exercício consiste em uma série de etapas simples e já conhecidas por quem acompanha meus textos, o exercício completo não passa de um enorme quadro mental onde problemas matemáticos devem ser expostos e resolvidos, muito embora a um primeiro momento isso pareça ser fácil, com a pratica as dificuldades se mostram, pois como já é do conhecimento dos iniciantes, constructos mentais complexos são difíceis de manter em sua inteireza, ainda mais quando temos induções matemáticas a fazer.
    Como manda o método vincuniano, devemos criar o constructo por suas partes compreendendo cada um de seus valores, e não fazê-lo de uma só vez, desse modo é estritamente recomendado que partamos do que é mais fácil, adicionando aos poucos o que é mais difícil até que tenhamos o constructo completo para só então poder trabalhar sobre ele.
   A primeira parte pede que o sujeito visualize uma tela branca sem deixar que a mesma se dissolva dando lugar à escuridão mental. Um modo simples de ter êxito nesse primeiro exercício é utilizando-se da memória de telas brancas (como a do cinema ou o quadro para piloto da escola) e projetando-as para si. A segunda parte já consiste e criar sobre essa tela figuras geométricas como triângulos, círculos e quadrados com cores variadas. Tendo êxito nas duas primeiras partes partamos então para a resolução de problema, que a principio pode ser utilizando-se da regra de três ou decomposição numérica por mínimo multiplicador comum.
   Podemos criar um problema simples, e resolver utilizando-se apenas de artifício da memória, podemos supor que;
“ um alquimista vai ao mercado comprar enxofre, ele precisa de 600 gramas do elemento, sendo que o kg custa R$ 9,00 reais, quanto ele deverá pagar pelo peso desejado?”

 Embora a questão pareça extremamente fácil, exigir sua resolução sem o uso de papel ou calculador pode levar algum tempo, e exercícios graduais desse gênero irá sem dúvidas alavancar nossa capacidade de raciocínio, memória e imaginação.
  comecemos primeiro a por sobre o quadro branco a fórmula para resolver a questão:



Tendo o quadro em mente, ele deve calmamente começar a resolução:

1000x=  5400
10x=54
X= 5,4

 O alquimista terá que desembolsar o valor de 5,40 para pagar pelas 600 gramas do enxofre. Como o bom ocultista deve duvidar até de si mesmo, Pode ainda prosseguir com a prova e seus cálculos, teremos;

1000-x
600-5,4

600x= 5400
6x=54
X=9
 

  Exercícios diários do gênero, trarão em pouco tempo resultados que serão muito apreciados por quem quer melhorar em suas atividades mágicas, ou até mesmo por quem não que ser ludibriado no mercado.
  O objetivo do ocultista, como já foi dito¹, é desvelar o mundo e conhecer o espírito humano para que através da aplicação desses conhecimentos, talvez, possa alcançar o estado de felicidade.
  Atualmente muitos dos ditos ocultistas, que na verdade mais parecem arteiros, creem que através da atividade de imitação poderão alcançar algum conhecimento, não podem, e se o conseguirem será por extraordinária fortuna, tal como um sem-teto que todos os dias visita determinada praça quase que religiosamente, e depois de um tempo, acaba por encontrar um tesouro perdido por algum viajante.
  Embora a arte seja necessária ferramenta de desvelo ou até mesmo de conforto para o ocultista, ela não é suficiente, além dela se faz necessário o uso da filosofia e da geometria. Sem essas a arte pode levar o ocultista ao caminho oposto no qual ele pretende seguir, ao invés de desvelar, acaba enrolado em um número maior de véus, crédulo de que descobriu alguma verdade quando está a cada prática afundando na lama fétida do poço da pseudo-trascêndencia.
  Alguns exemplos simples do que é dito no parágrafo acima é o motivo de orgulho dos ditos teurgos², sua dita capacidade de ter experiências com entidades metafísicas, onde cada um faz seus rituais tais como mandam os livros que esses acreditam serem velhos, seguem a risca o que está escrito, alheios ao porque de tais exigências colocando o termo energia em cada buraco de sua própria ignorância, pensam ser poderosos por manipular ou comunicar-se com tais criaturas e ficam orgulhosos de seus resultados.        
  No final, nada foi acrescentado ao conhecimento humano, teurgos diferentes acabam por ter resultados diferentes ou até mesmo opostos de suas experiências de um mesmo ritual, cada um assume sua própria experiência como verdadeira, nada lhes é desvelado e são incapazes de dizer claramente suas conclusões, limitam-se ao que sentem tal como uma criança que sai para passear a noite e em sua inocência crê que monstros lhe observam nos escuros becos ou até mesmo que as estrelas lhe persegue, como é comum ocorrer com os desavisados que se rendem as sensações do corpo ou do espírito ignorando o quão esses podem ser enganosos.

  São esses que espalham a erva daninha de um ocultismo absurdo, cheios de fantasias. Tal desserviço ao intelecto não é culpa desse grupo despreparado, se assim agem é por não terem sido instruídos ainda na juventude, por terem sido educados a crer no imediatismo contemporâneo ou nas maravilhas de um além-mundo. Cabe a ao Ocultista tomar para si o papel de educador, não ser aquele que dá respostas ou conclusões, mas aquele que mostra o caminho para as cinco esferas do conhecimento puro.


  Nesse texto não pretendo comentar sobre o que é o ocultismo das massas ou o que ele deveria ser. Tal desperdício de minha vida já foi feito suficientemente em outro texto¹. Desejo tratar aqui do ocultismo dentro do meu sistema, seu método, seu objetivo e suas divisões.
   O sistema vincuniano entende o ocultista não como aquele que esconde algo, que separa, mas aquele que busca o que está oculto e o desvela. O ocultista então é o sujeito que mergulha nas sombras para extrair seus tesouros. Muitas das antigas ocupações do ocultismo são ocupações hoje das ciências empíricas ou das psicologias. Muitos remédios que usamos hoje possuem por base pesquisas de alquimistas, muitas afirmações da psicologia e da moderna psicanálise já eram afirmações feitas pelo ocultismo e muitas afirmações que os físicos só começam a admitir agora já eram afirmações dos tempos dos fisiologos².
   Não tenho por pretensão também discutir a história do ocultismo, talvez faça isso em escritos posteriores, por hora apresento-lhes o que chamo de ocultismo vincuniano para que por vocês seja apreciado, criticado e se possível superado. O compromisso do ocultista deve ser com a busca do que é verdadeiro e de sua consciência de unidade, consciência esta é adquirida por meio de exercícios intelectuais e espirituais que podem estar ligados ou não a arte.
  O ocultista deve ser capaz de pensar o objeto de sua pesquisa e praticas claramente. Tudo que por ele é feito e descoberto deve ser também possível de ser comunicado, seja dizendo ou demonstrando, este deve ter como fim o conhecimento do todo e a educação de seus semelhantes, o ocultista deve ser um educador nato, afinal todo aquele que é capaz de compreender sem dificuldades determinado assunto é necessariamente também capaz de facilmente traduzi-lo, ser conhecedor e mau mestre é uma contradição. Aquele que pensa claramente também é capaz de dizer claramente. O sujeito que apoia seus estudos em sensações ou resultados obscuros não é ocultista.
  O ocultismo foi separado por mim em cinco partes, essa separação foi feita com o intuito de tornar mais clara a explicação para aqueles que não são familiarizados com o reto raciocínio. Os bons pesquisadores notarão que o número de divisões pode ser maior ou menor a depender do objetivo. O ocultismo foi dividido entre Filosofia, Fisiologia, Arte, Alquimia e Geometria. Explicarei cada um individualmente antes de partir para o fim do ocultismo.
  Entendo por filosofia, a capacidade de mostrar claramente o conteúdo de seu pensamento por meio da linguagem, estudando através dela mundo factual e valorativo além de ser a ciência que busca as causas primeiras. Dentro do ocultismo, cabe à filosofia estabelecer a ponte entre o subjetivo com o objetivo, estabelecer a comunicação entre sujeito e o ente, além de lhe ser dever também dar ao estudioso a capacidade de expressar-se claramente. A visão de um ocultista isolado e guardião de mistérios propagada por meio daqueles que nada tinham a dizer deve ser quebrada, o ocultista deve ser estudioso da arte de comunicar-se, deve compreender a nuances da linguagem e seus princípios para só então compreender o que o mundo lhe comunica. Este deve ser conhecedor do espírito humano, compreendendo seu funcionamento, estudando a razão, a memória, o prazer e o pensamento. Deve ser estudioso da arte dos discursos e do raciocínio reto4. Deve ser um bom professor.
  Entendo por fisiologia o estudo da natureza objetiva. O fisiologo é aquele que observa e investiga o mundo, através dessa observação tenta chegar por meios de juízos universais às leis que governam o mundo, e a partir delas compreender o Todo. O fisiologo se ocupa da química, física, biologia, astronomia e as demais ciências semelhantes. Só se pode tentar causar algo conscientemente ao mundo , compreendendo-o.
  Chamo de arte toda ação por meio de técnicas pré-determinadas. O artista é aquele que da a um pedregulho a forma de um elefante por meio de técnicas especificas. O artista é simplesmente aquele que aplica, que age, sem o conhecimento teórico ele é incapaz de ensinar ou até mesmo de desenvolver novos conhecimentos, um mero repetidor.
   Chamo de geômetra aquele que estuda as formas, o equilíbrio e os espaços. O geômetra é um matemático nato, não é possível qualquer aspiração ocultista sem o conhecimento desta ciência. Quando produzimos o discurso e bem medimos nossas palavras, de modo a dar ao texto o correto equilíbrio buscando as formas que melhor se encaixam nas proposições respeitando os limites do que é proposto, estamos fazendo geometria. O artista em sua técnica usa de artifícios de geometria, mesmo que não possua consciência disso. O ocultista é capaz de aplicar a geometria até mesmo em seus raciocínios de modo a chegar ao destino desejado.
  Entendo por alquimia o estudo dos estados e movimentos do mundo e do espírito³. O alquimista é aquele que é capaz a partir da filosofia, geometria e da fisiologia de desenvolver a arte.
   Aqueles que gostam de ser chamados magistas, que se apegam a parte prática como ajudante de pedreiros, encaixam-se na posição mais inferior do ocultismo e mais imediata, encaixam-se na esfera da Arte. Para ser um ocultista, deve-se participar de todas as esferas.
  O ocultista compreende o mundo como um corpo, uma unidade que deve ser desvelada, compreendendo o mundo, compreende-se a si mesmo e vice-versa. O objetivo ou fim dessa busca não pôde ser por mim determinado pelo simples fato de ainda não ter chegado a ele. Muitos dos antigos afirmarão que essa é a busca suprema e cujo fim não possui nenhum lucro que não a própria prática (um fim em si mesmo) e que a felicidade é o ganho não final, mas de enquanto se pratica.
    Embora a ciência moderna esteja ocupando o espaço que antes era do ocultista, há muito ainda a ser desvelado que não interessa aos acadêmicos, e entregar essas joias a eles pode sim significar um ganho para o conhecimento humano e para a humanidade. Posso trazer o exemplo de ocultistas que por séculos demonstram e aplicam a cura por imposição de mãos e desenvolver a arte e sua compreensão do fenômeno, não seria nenhuma perda para o ocultismo que a ciência tomasse posse dessa pratica e a utilizasse em hospitais, pelo contrário, seria um clara demonstração que uma área do conhecimento humano não acadêmica, pode muitas vezes chegar antes das áreas imediatistas.
 
Lord Vincus
Praebere Sitientibus”
2013








Notas:
2-     Estudiosos da natureza, também chamados de pré-socráticos.
3-     Mente e raciocínios.
4-      
“Cânone 33- Da reta racionalidade.

1-     Pensar racionalmente reto é refletir sobre o que é proposto.
2-     Refletir sobre o que o que é proposto se assemelha a investigação e a dúvida.
3-     Investigar é decompor o que se propõe e compreender sua natureza e o que lhe é dedutível.
4-     O alquimista raciocina de forma reta.
5-     A alquimia é baseada na decomposição e composição, Solve e Coagula.
6-     Deve-se decompor aquilo que lhe é apresentado, refletir suas partes, organizando-as dedutivelmente e assim recompô-la compreendendo se alguma parte lhe falta ou sobra.
7-     Da decomposição de algo, muito é revelado.
8-     Toda conclusão apresentada livre de investigação aparente, deve ser na medida do possível decomposta.
9-     Das partes chega-se ao Todo.
10- O homem comum ignora o principio de composição e decomposição.

11-O nada, nada cria”
(Cânones Vincunianos)

  Não é incomum entre os contemporâneos chamar as práticas ligadas ao ocultismo de ciência, arte, sabedoria ou qualquer outro adjetivo que muitas vezes não são compatíveis ao ocultismo. Irei neste breve texto, esforçar-me para compreender o que se pode entender pelo ocultismo e sua prática, sobre os adjetivos sobre ele colocados e trazer dúvidas sobre o mesmo. Adianto aos meus leitores que meu objetivo aqui não é causar nenhum tipo outro de sofrimento que não à reflexão.
  Para os desatentos, é comum a afirmação que nada diz de que “O ocultismo é o estudo do oculto”, tal proposição carece de todo sentido, pois não posso estudar o que está oculto a menos que o revele, desse modo o ocultismo é então a atividade de desvelar aquilo que não pode ser prontamente percebido e a partir disso estuda-lo.
  Se só posso conhecer aquilo que é revelado, o ocultista não deve ser aquele que esconde o conhecimento, mas aquele que o trás a tona, afinal só posso velar o que antes estava desvelado. Sendo que o papel do ocultista é desvelar aquilo que deseja conhecer, ele deve ser capaz de compreender e de dizer com máxima claridade aquilo que diz respeito ao seu objeto de estudo, pois a partir do momento que o seu objeto de estudo não lhe aparece claramente, o ocultista então falhou em sua busca uma vez que o conhecimento que ele diz ter ainda lhe está oculto. A partir disso, todos os ditos ocultistas cujo objeto de estudo não é ou não pode ser compreendido por ele, e por sua vez não pode ser dito, não são ocultistas, são antes religiosos, charlatões ou até mesmo fracassados.
  Compreendendo um pouco melhor o ocultismo, comentarei sobre algumas de suas ocupações e dos grupos que dele se ocupam.  Qualquer um pode ser ocultista, mas não é qualquer um que o é. O fato de alguém ser bruxo, umbandista, místico, católico, satanista ou qualquer outra cousa semelhante não faz dele um ocultista.
  Os religiosos em geral, que leem, compreendem sua doutrina, mas limitam-se apenas àquilo que está posto(revelado) sem aprofundar-se no que ainda está oculto para então trazê-lo a tona, não são ocultistas. O satanista que segue suas crenças e rituais é apenas um religioso como outro qualquer. Percebam meus caros leitores, que o fato de alguém ser religioso não o faz inferior ao ocultista, porém devo lembrar que apenas são coisas com objetivos diferentes.
  O satanista passa a ser um ocultista, quando com um olhar crítico sobre sua doutrina, compreende nela o que ainda não foi dito, cria seu próprio sistema ao compreender a natureza de suas práticas, clareando o que era meramente símbolos dogmáticos e é capaz de trazer ao mundo seu conhecimento de forma clara. Um outro exemplo que podemos tomar são dos ocultistas cristãos. O ocultista cristão não é meramente aquele que por seguir uma ordem qualquer, faz a risca o que lhe é ensinado, independente de ter resultados práticos em seus atos mágicos ou não.
  Um exemplo para mostrar o que seria um ocultista cristão, seria o jovem e curioso estudante, que compreende ao seu modo, independente desse modo ser verdadeiro ou não, sua crença e os elementos que dela fazem parte, desvela significados ainda não descobertos,  como códigos bíblicos, sobre a natureza da criação, ou qualquer outro assunto ignorado, o ordena racionalmente para torna-lo claro e acessível. Podendo ou não, a partir de seus estudos, criar formas de comungar com o criador ou suas criaturas.
  O fato de alguém estudar textos sobre ocultismo, não faz dele ocultista, de igual modo que ler filosofia não faz de ninguém filosofo.  Aqueles que leem, estudam e praticam o ocultismo do sistema hermético, não é necessariamente ocultista, mas antes um hermetista. De igual modo que aqueles que leem e estudam o sistema filosófico de Descartes não são filósofos, mas cartesianos. O ocultista tem por objetivo desvelar e produzir conhecimento claro, o filosofo tem por objetivo o filosofar.
  Muito se confunde magicista com ocultista, a diferença entre um e outro é análoga entre a diferença entre um assistente de pedreiro e um engenheiro civil que tanto compreende a natureza do trabalho como também é apto a por a mão na massa.  O magicista contenta-se apenas em ter o resultados de seus rituais,  assim como o assistente de pedreiro contenta-se em martelar o prego seguindo a risca um projeto que ele tão habilmente ignora, apenas visando o resultado que suas marteladas podem trazer.
  Àqueles que tomam o ocultismo apenas como uma atividade prática, não são ocultistas e em nada diferem do assistente de pedreiro. O ocultismo não deve ser confundido com o tecnicismo que vive a contemporaneidade.  O ocultismo não se importa com o resultado puro, mas com o conhecimento que dele pode-se inferir. Aquele que importa-se apenas com o resultado prático é antes um magicista, ou para usar os termos mais modernos, é um técnico em magia.
   Posto que foi esclarecido do que se ocupa o ocultismo e quem são aqueles que dele se ocupam, vejamos outros problemas dentro deste mesmo tema.
   Muitos ocultistas tendem a buscar compreensão em assuntos tão obscuros, que qualquer descoberta, pode ser enganosa ou fruto de ilusão. Me refiro àqueles que buscam desesperadamente os além-mundos e os seres que supostamente lá habitam. Não afirmarei que tais seres, por mais fantásticos que sejam não existem, não me cabe dizer isso, mas posso afirmar que se existem, não dispomos de conhecimentos necessários para desvela-los. Um exemplo prático disso é o grande número de sistemas ditos ocultistas, que entram em constante contrassenso acerca do mundo espiritual e seus habitantes.
  Práticas ritualísticas que visam dar ao magicista o contato com um além mundo, são quase sempre enganosas, e tendem a aumentar ainda mais as dúvidas do que sacia-las. Por exemplo, enquanto o grupo (A) afirma ter evocado lúcifer e que este apresentou-se como um ser ardiloso, e tal feito foi repetido por todos do grupo com o mesmo resultado, o grupo (B), ao evoca-lo, depara-se com um ser dotado de conhecimento e boa vontade, enquanto o grupo (C) que possui mais céticos, inferi que o ritual nada mais é que um teatro para forçar ao magicista visões fantasiosas. Os três grupos que tentaram evocar o mesmo ser, com rituais semelhantes e tiveram resultados contraditórios, demonstram claramente que os sentidos, sentimentos e crenças humanas são enganosos e devem estar sempre sob nossa cautela. Pois ninguém poderá negar que “toda vez que dois homens formulam sobre a mesma coisa juízos contrários, é certo que um ou outro, pelo menos, esteja enganado.”¹
  Sobre esses assuntos de maior dificuldade, eu procuro me afastar, deixando-os com os religioso e os maus poetas, que são geralmente os que tendem a tratar deles.
  Prefiro dedicar-me a assuntos mais fáceis, que com muita dificuldade posso me enganar, e que caso me engane, possa também facilmente me corrigir. Me refiro às observações da natureza, de sua contiguidade com as coisas relativas a mente humana e quando me atrevo ao falar do que remete ao espiritual, tento partir de baixo para cima, compreendendo a partir do principio da analogia ou de correspondência hermética os objetos que desejo de algum modo desvelar.
  O ocultismo enquanto compreensão do mundo e dos seus estados de coisas, enquanto conhecimento, é uma ciência, podendo estar ou não sob uma ótica positiva, e dele deriva-se a arte, ou o conhecimento aplicado do qual chamamos magia. Magia não é ocultismo, mas seu conhecimento deriva dele. Tão pouco o ocultismo deve ser visto como uma sabedoria, no sentido de que tudo que ele pode nos trazer é questionável e falseável.
   Tal é a visão que vos apresento, pelo olhar vincuinano.





Notas:
1-     René Descartes, Regras para a orientação do espírito, página 6.
 





Referências Bibliográficas:

Descartes, Regras para orientação do espírito, Editora Martins Fontes, 2012.
Papus, Tratado de ciência ocultas (I), Editora três, 1973.
Três iniciados,O Caibalion, editora pensamento, 1997.

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2013

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